sexta-feira, dezembro 21, 2012


A MORTE DA RAZÃO


Certa vez a Razão resolveu passear pelo mundo do abstrato. Intrigada, como sempre, questionadora e curiosa, resolveu observar como se comportavam os seres daquele lugar. Notou a presença da Felicidade, da Tristeza, da Esperança, da Angústia, do Ânimo, do Desânimo, do Desejo, da Repulsa e do Ódio. Esses seres, tão peculiares, tão únicos, conviviam numa bagunça só. Grande bagunça, por sinal. Eles tinham o péssimo hábito de tentar subir uns em cima dos outros. Imagine você que grande confusão. Em certos momentos a Razão mal conseguia distinguir aquelas individualidades em meio ao caos do mundo do abstrato, a não ser quando uma delas conseguia ficar por cima de todas as outras. Cá entre nós, que jogo estranho, não é?

Pobre Razão,
Frustrada por não compreender o que acontecia,
Bateu os pés no chão.
Oh, que triste maldição!

Como se não bastasse o nó quádruplo que a Razão se desesperava em não conseguir se desvencilhar algo novo reparou. Ao redor de toda aquela sandice, aquela loucura, Amor e Fé observavam atentamente. Pobre Razão, que espécie de ritual era esse? A cada momento Razão se frustrava mais, assim como suas batidas de pé no chão. A confusão aumentava cada vez mais. Fé e Amor apenas observavam. Só que num dado momento tudo mudou. Feito uma fera o Amor se atirou sobre todos eles.

Não satisfeito de sua posição,
Aconteceu o que ninguém esperou,
Querendo garantir o que queria,
O Amor a todos devorou.

Não havia mais confusão, não havia mais ninguém. Quer dizer, exceto pelo Amor, pela Fé e pela Razão. Nossa amiguinha questionadora, tão esperta, estava derrotada. Pobrezinha, seria mais fácil resolver um problema matemático. Razão coçou a cabeça, deu uma cambalhota, bateu seus pezinhos no chão, respirou fundo e tornou a olhar para o Amor. Que bicho estranho. Como se não fosse suficiente devorar todos aqueles pobres seres ele se voltou para a Fé. Fé só o observava.

Lentamente o Amor caminhou,
A Razão mais uma vez ele amedrontou,
Mas como nada fazia sentido,
Sobre o joelho esquerdo ele se ajoelhou.

Razão, Razão, pobre Razão. Agora ela estava boquiaberta. Como já não era mais suficiente bater os pés no chão, saltos frenéticos ela deu. Depois de se ajoelhar o Amor se levantou e fez uma reverência com a cabeça. A Fé, com seu jeito cortês, retribuiu a reverência e saiu imponente. A Razão já não aguentava mais. Esfomeada de saber como só ela correu desenfreada em direção ao Amor.

- Amor, por que devoraste todos eles?
- Não sei, só acredito que na minha presença eles não fazem sentido e que quando estou aqui eles só existem a partir de mim. Acho que eu sou um pouco autoritário e egoísta, mas é o que sou. Para amar os outros devo me amar primeiro, pois não existe sentido em existir se não for assim. Sou inexplicável, eu sei.
- Amor, por que não devoraste a Fé? Por que se ajoelhou perante ela?
- Porque só existo através dela. Só a Fé para tornar possível algo tão inexplicável.
- Então, porque ela foi embora?
- Não é necessária a presença dela. Se sou algo inexplicável, ela simplesmente “É”, e isso não demanda explicações.

A Razão cambaleou,
E seu corpo contorceu,
Deitou no chão enlouquecida,
E depois morreu.

FIM.

Se gostou me siga. :D

quinta-feira, outubro 18, 2012

O Céu, as estrelas e a chuva da morte - II


PARTE DOIS – A morte passou por aqui...





A desgraça acontecia. O desespero, o cheiro de morte, a sensação macabra, o clima diabólico e tudo que nos tirava negativamente o fôlego. Eu vivia a noite mais macabra de minha vida. E tudo acontecia tão rápido. Hoje tenho consciência de que “algo além” estava no controle de toda aquela situação, e foi exatamente isso que permitiu sobrevivermos, até ali, ilesos. Era uma gritaria total. Eram rugidos para todos os lados. Pessoas correndo e chorando. Mas não tínhamos tempo para refletir. A única coisa a fazer era seguir o nosso caminho. E isso, naquele momento, era o melhor que poderíamos fazer. Não termos o mesmo destino de todas as outras pessoas. Por isso corríamos. Corríamos muito. O máximo que podíamos. Dando passadas no vazio, e às vezes quase caindo. Assim, prosseguimos. Rumo ao nada, ao vazio.

...

O prédio ficava localizado a dois blocos de onde estávamos. Corríamos tentando evitar os locais onde víamos problemas. A morte estava em todo canto, a gritaria era geral e a confusão era total. Lembro-me de ver pessoas sendo partidas em duas, cabeças sendo violentamente arrancadas e membros sendo decepados. E nós só podíamos correr. Chegamos a um prédio que servia de centro de convenções para a universidade. Este era um espaço semi-aberto com uma longa cobertura de metal sustentada por vigas de aço e decorado com belas paredes de vidro. Paramos abruptamente na entrada quando vimos oito monstros fazendo uma carnificina enquanto uma multidão, encurralada, gritava de desespero. Fiz um gesto para Miranda apontando para o conjunto de árvores que seguia a direita do local. Corremos para lá. Parecia ser um local mais seguro. Este espaço era repleto de árvores e pequenos arbustos. Denso, quase um bosque. Aos poucos nos agachamos aproveitando o terreno e tentando nos esconder.  Sem notar já estávamos nos rastejando. A noite subitamente ficou fria. Uma névoa começou a cobrir os arbustos. Lá estava eu, afundado e humilhado no chão, me rastejando por entre as folhas. Não havia algo melhor a fazer. Tem momentos em que o medo faz com que deixemos nosso orgulho de lado. Em uma situação dessas não há espaço para medir e avaliar. Muito menos fazer julgamentos. Eu, uma pessoa racional, só exercia ali uma única função. A de quem corre. Ou melhor, a de quem foge. Foge do predador e da dominação.

...

Senti algo passar correndo por cima de mim. Quando virei à cabeça vi a fera que passou. E quando eu já estava comemorando o fato dela não ter nos notado, ela parou abruptamente e se virou. Não podia nos ver por entre os arbustos, mas será que podia nos sentir? Não sei. Toquei o pé de Miranda, a minha frente, para não nos mexermos. A besta olhava de um lado para o outro parecendo procurar algo. Tinha um corpo esguio como o de um dinossauro caçador, pêlos, e uma cabeça que não sei se parecia mais com a de um crocodilo, ou de um cão defeituoso. Mas era amedrontadora. Se o inferno existe, o diabo deve se parecer com aquele monstro. Minha cabeça fervia diante daquela visão. Começava, naquele instante, a aceitar um fim violento para mim e para meu amigo. Não escaparíamos dessa vez. Mas têm coisas que acontecem e não há como explicar. Para minha surpresa escutei outro movimento mais a frente. Acima de nossas cabeças a lua brilhava como nunca antes. Seu volume naquela noite era absurdamente maior do que qualquer outra vez em que ela se apresentou ao mundo... Guiado pelo som vi um cão surgir por entre as árvores. Ele estremeceu quando viu a fera, mas ainda assim começou a latir. O cão pode até ter se assustado, afinal, quem não se assustaria com o próprio diabo? Entretanto, medo ele não demonstrou. Encarou a fera com bravura. Dava até sinais de que avançaria. Mas o pior aconteceu. Aquela imagem ficou marcada em minha mente. A besta fez um movimento rápido jogando o cão contra a árvore. Pude ouvir seus ossos se quebrando. O cão ficou se contorcendo enquanto o monstro se aproximava. Tive que ser forte para vê-lo sendo desossado. Foi uma cena horrível. Não pude fazer nada. Quando já recuperava minha respiração, do mesmo lugar de onde o cão surgiu apareceu uma jovem. O monstro não a notou. Talvez fosse a dona do cão porque arregalou os olhos e levou as mãos à boca de tamanho horror. Ali, agachado na escuridão, consegui reparar as lágrimas em seus olhos. E a lua continuava brilhando... A menina estava arrasada. Mas, para minha surpresa ela se abaixou e pegou um pedaço de madeira solta no chão que devia ter caído de alguma das árvores. Disparou gritando de ódio contra o monstro. A garota não teve nenhuma chance. Preferi não olhar. E mesmo me negando a ver, ouvi os gritos de uma morte abominável. Quando os gritos cessaram o demônio pegou sua caça e foi embora. - Willian, temos ir agora. - Que inferno, não sei o que fazer. - praguejou. - Eu também não! Mas se não nos mexermos seremos os próximos!

...

E talvez seriamos, porque algo perturbou-me a esquerda. Prendi a respiração. Virei lentamente a cabeça e fitei os olhos vermelhos de um espectro horrendo que me contemplava da escuridão. Naquele momento parecia que tudo havia parado. A respiração, os batimentos cardíacos, o frio, o tempo, menos o brilho da lua que era cada vez mais intenso. Senti a respiração da diabrura agitar o ar ao meu redor. Tentei me levantar inutilmente, mas meu corpo já não respondia ao desespero. Miranda estava paralisado. Nossa sentença estava anunciada. Seriamos trucidados. Éramos nós e fera. Dois contra um. Porem, a derrota para nós era algo certo. E a fera sabia bem disso. Por se movimentava bem devagar, nos avaliando. Queria dar o bote certo. O golpe perfeito. O tiro de misericórdia. Vi seu rosto se aproximar. Seus olhos crescerem diante de mim. Pude ver a face do inferno. Sua expressão a cada segunda ficava mais amedrontadora. Foi então que ela atacou... Quantas coisas nós pensamos num momento desses. É incrível como apenas alguns segundos são capazes de resumir toda uma existência. Nessas horas a gente entende por que as pessoas dizem que passa um filme em nossa cabeça. Naquele instante eu só queria voltar a minha vida normal. Só gostaria de tomar café ou, quem sabe não fazer nada. Só não fazer nada já bastava... Fechei os olhos e gritei. De dor, de desespero, de medo. E continuei gritando, e gritando. Gritando até sentir minha garganta arder. Gritando até perceber que nada havia acontecido. Quando abri os olhos vi dois monstros tentando se levantar. Pareciam estar um pouco tontos. Na hora não dá pra pensar, mas provavelmente havia duas feras a nossa espreita, o que era pior, e aos nos atacarem devem ter se chocado. Mas agora precisávamos correr. Elas já recuperavam o sentido e já nos olhavam. Em segundos eu e Miranda corríamos por entre as árvores. As feras partiram em nossa caçada berrando a canção da morte. Elas eram bem mais rápidas e estavam nos alcançando rapidamente. Quando uma delas estava prestes a me golpear com uma das mãos cheias de garras Miranda já estava me empurrando para a direita. Os dois monstros passaram direto batendo nas árvores a frente. Nós caímos por entre os galhos e arbustos. Recebi um corte quando bati meu braço em uma árvore. Miranda tinha um sangramento na testa. Levantamos e continuamos correndo. Pude sentir o ódio que nos perseguia. O puro ódio. E de súbito, tudo se apagou. Não havia mais lua, não havia mais nada.

...

Sentia dores nas costas, na cabeça, tonturas. Estava acabado, moído, retorcido, deprimente. Abri os olhos e não enxerguei nada. Por um instante não ouvi nada. Mas apesar de tudo não parecia que algo mais grave havia me acontecido. Mas e Miranda? Quando consegui recuperar os sentidos e consegui enxergar um pouco notei Miranda desacordado ao meu lado. Estava respirando. Menos mal. Mas o que havia acontecido? O primeiro som que notei foi uma gota d'água que caia num ritmo bem lento. Não enxergava praticamente nada. Tive a ideia de pegar meu celular para tentar iluminar, mesmo que debilmente, o local. Percebi que estava num lugar úmido. Meio sujo. Olhei para cima e um pouco distante vi uma abertura por onde a luz entrava bem fraca. Folhas de árvores desciam levemente de lá até o chão. “Provavelmente deve ter sido de lá que viemos quando mergulhamos no vazio eterno”, pensei. Senti uma movimentação perto dos meus pés. Era Miranda despertando com gemidos. - o que aconteceu? - perguntou Miranda. - Caímos de lá. - disse eu apontando para a abertura no teto. - Uma queda e tanto. Ajuda-me a levantar. - Temos que dar um jeito de prosseguir. - disse eu. - Não antes de sabermos aonde viemos parar. - Isso deve ser uma espécie de esgoto. - Ou talvez possamos descobrir o que mais pode ser isso. - sugeriu Miranda. - Então Vamos! - Mas, talvez não seja má ideia ficar por aqui mesmo, pois se não fomos devorados é porque aqueles bichos não conseguem entrar aqui. - Por enquanto. - Disse eu.

Começamos a vasculhar o local. Era uma sala de cinco metros de altura. Cada um dos seus quatro lados também media cinco metros. Chegamos a uma porta de metal, muito velha, que tinha escrito "A morte passou por aqui". Provavelmente obra de algum universitário grafiteiro. Eu e meu amigo tentamos abrir a porta que parecia estar emperrada. - Deve ser a ferrugem. - disse Miranda. - Põe na conta do Reitor e de seu Camaro. - disse eu. - Rimos juntos. Foi um dos raros momentos de riso naquele dia. Mas tudo foi quebrado por um berro monstruoso vindo de cima de nossas cabeças. Virei-me e olhei para o alto. Um braço tentando entrar pela abertura no teto. Depois uma cabeça. E outro braço. A fera não havia desistido de nós! Ou será que nos escutara? A verdade é que dentro de alguns instantes estaríamos presos naquele cubículo úmido com um monstro. Tive vontade de gritar! Não aguentava mais aquilo tudo. Não queria mais fugir. Estava disposto a encarar a realidade. Não fugiria mais. Encararia o monstro. E se fosse para morrer seria lutando. Inutilmente mais lutando. Quando eu ia dar um passo à frente ouvia u ruído. O braço de Miranda puxava meu braço e me chamava, mas por um segundo eu não tinha ouvidos, só olhos para o monstro. Miranda me tocou mais uma vez. - Estou quase conseguindo abrir a porta, seu infeliz. Mas se você não se mexer e não me ajudar de nada vai adiantar. - Me virei rapidamente e comecei a ajudá-lo a abrir a porta. Ela estava muito emperrada. Mas Miranda já havia conseguido abri-la um pouco. A fera emitiu um ruído desafiador. Estava quase conseguindo entrar no recinto. Como que movidos pela vontade de viver eu e Miranda respiramos fundo e puxamos com todas as nossas forças de uma só vez. Lentamente a porta se abriu. A fera pousou atrás de nós. Entramos o mais rápido que podíamos, mas havia um problema: como fechar aquela porta enferrujada. Não sabíamos. A fera veio em nosso encalço. Fizemos toda a força que nos restava naquele instante para fechar a maldita porta. A morte não passaria por esta porta outra vez. Pelo menos não naquele momento, pois por um milagre a porta se fechou facilmente. Passamos a tranca. A fera se chocou violentamente contra a porta berrando suas monstruosidades. Fez isso um, duas, três, quatro vezes e depois parou. - Parece ser seguro aqui. - sugeri. - Assim espero. - disse Miranda. - Viramos-nos para ver onde estávamos.  Quase fiquei cego, pois agora o local era muito bem iluminado. Tochas lançavam luzes tremeluzentes por todo um longo corredor. – É realmente aqui é mais agradável. - deu de ombros Miranda. - Porém, um som violento veio de trás de nós. O monstro tentara mais uma vez destruir a porta, só que dessa vez ele obteve mais sucesso. A tranca estava quase quebrando. De repente um braço atravessou o metal envelhecido da porta. A morte estava querendo passar...

FIM DA PARTE DOIS.

SE GOSTOU ME SIGA, POR FAVOR. :)

terça-feira, julho 10, 2012

O Céu, as estrelas e a chuva da morte...


PARTE UM: A Noite Macabra...



Olá! Provavelmente você descobriu este manuscrito em alguma biblioteca universitária do Brasil, meu país. De onde exatamente, eu não sei. Meu nome é William e saiba que estou, a partir destes segundos, lhe confiando algo de grande importância. Não se sinta com sorte ou, dependendo de seu estado de espírito, com azar. Pelo menos eu acredito que o destino sabe das coisas, e se você chegou até esta carta apenas use sua sabedoria. Deixe que seus instintos te guiem e sua razão lhe mostre os limites necessários. Seja Sábio! A partir de agora, dê adeus a muita das coisas que você acredita.

Sabe o que é viver acreditando que sua realidade é simplesmente “a realidade” e, de repente, você toma um baque que te deixa desnorteado? Se não sabe, vai saber, mas se sabe, conhecerás agora uma história em que isso chegou ao limite extremo da compreensão. Não estou querendo lhe assustar, só quero que você saiba exatamente como aconteceu.

...

Quando tudo aconteceu tinha meus 20 anos. Era um adulto extremamente racional, que só acreditava no que era empiricamente comprovado. Nunca gostei de mitologias, religiões e nada que fosse de um teor muito fantasioso. Vivia somente pelo o que meus olhos podiam enxergar, ou os fatos concretos podiam comprovar. Vivia de aparências e cálculos. Achava uma grande bobeira acreditar em “forças” invisíveis capazes de interferirem na vida das pessoas. Esse tipo de coisa não era compatível com o tipo de pessoa que eu era. Não conseguia respeitar a opinião de pessoas que acreditavam em coisas transcendentais. Se existisse algo verdadeiramente "fora do normal" eram essas pessoas. O futuro, às vezes, é algo que vem como um tsunami, e você no máximo se contenta em se adaptar.

Certa vez fui presenteado com um livro. E este livro não se parecia em nada com o que eu já havia lido. Pior, não tinha nada ali que eu apreciasse, só coisas que me faziam raiva. Era um livro chamado "O Medo - Matéria do Próprio Sonho". O livro dizia que o medo como uma foça da mente, um tipo de "energia" era capaz de moldar nossas vidas a ponto de nos tirar de nossa própria realidade. O medo seria uma espécie de "continuidade", algo que nos ligaria a "vidas passadas" e acontecimentos "já ocultos em nossa memória". O medo seria a marca, a ferida, aquele que sempre está em seu espírito. A obra ia além, dizendo que é a partir do medo que o nosso espírito adquiri sabedoria e evolui, é o que o caleja. É claro, achei tudo uma grande besteira. Vidas passadas? Espírito? Que coisa mais desinteressante e sem nexo. Nascemos, vivemos, morremos, apodrecemos e só. Nada mais além disso! 

A verdade é que algo ali pareceu fazer sentido e aquilo martelou minha cabeça por dias. Parecia um vírus em minha mente. Senti raiva por isso. Passei meus dias terrivelmente incomodado, como se tudo aquilo realmente devesse me preocupar. Isso mexeu tanto comigo que me vi tomando conclusões nada racionais, flertando com a superstição. Atribui todo aquele desconforto ao livro. Os dias se passaram e eu comecei a sentir fortes dores de cabeça. Deitava, dormia estranhamente eu acordava muito bem no dia seguinte. Nem tinha sonhos, era como fechar os olhos e abri-los no dia seguinte. Mas com o passar dos meses isso foi caindo no meu esquecimento. E assim as dores de cabeça foram embora.

...

Dois anos se passaram. Eu já estava quase me formando no curso de Matemática. Nesse tempo, me tornei um grande amigo de um cara chamado Miranda. Ele era muitíssimo inteligente. Dava-me inúmeros conselhos quanto ao uso excessivo da racionalidade. – As pessoas racionais demais estão sempre muito ocupadas para viver. Um dia você ainda será ludibriado por algo que você muito desacredita – alertou-me. Não imaginava o quanto de verdade havia naquelas palavras. Deveria ter ouvido mais meus amigos.

...

Um dia resolvi a praia. Sempre gostei de olhar o mar e afundar meus pensamentos nele. Ia longe. E dessas inúmeras reflexões a palavra "medo" surgiu como um flash. Imediatamente eu comecei a lembrar de tudo que havia lido naquele livro. Deixei minha mente livre para fazer perguntas: "Será que realmente os espíritos ficam vagando de corpos em corpos de geração a geração? Será que eu, William, sou apenas mais de algo muito mais permanente?" Com um balançar de cabeça rejeitei todas essas hipóteses. Levantei corri até o mar e mergulhei tais loucuras no profundo do oceano. Na volta para casa minha cabeça começou a doer. "Maldito sol, queimou meus miolos", pensei. Só que me veio a mente a lembrança das dores de cabeça que eu sentia quando havia lido o livro. "É um absurdo. Amanhã será diferente. Acordarei bem!", disse para mim mesmo ao chegar em casa e me deitar. "Pelo menos eu só fecharei os olhos e estarei melhor." E foi assim que em um dia de primavera eu me levantei da cama eu fui para o trabalho. O dia estava incrivelmente bonito. O céu estava limpo revelando um azul de cor riquíssima. O clima estava agradabilíssimo. E até mesmo as pessoas pareciam ter acordado de bem consigo mesmas. Todo mundo estava com um semblante sereno e amigável. As coisas estavam boas até demais. Mas apesar disso, não suspeitei de nada. Para quê? Tudo estava correndo bem e o dia era bom, não havia necessidade de questionar coisas em tão perfeita ordem. Essa foi minha ruína.

Fiz o meu trabalho avidamente sentindo uma estranha empolgação. Parecia uma criança louca para terminar o dever de casa e curtir a vida. Ao sair do trabalho encontrei meu parceiro, Miranda. Ele tratou logo de me avisar que nossos professores estavam em uma reunião importante e hoje não dariam a aula. Abri um leve sorriso, como se esperasse algo do tipo para aquele dia. Não tendo o que fazer resolvemos, eu e Miranda, dar uma caminhada pelos grandes pátios arborizados da universidade, a modo de colocarmos a conversa em dia. Falamos sobre nossas namoradas, nossos clubes de futebol, sobre filosofia, até pararmos em um espaço aberto de onde dava para ver o céu sem nenhuma interferência de iluminação artificial. – Noite limpa essa, não?  - disse eu analisando o que via. – Nunca vi um céu tão estrelado! – rebateu Miranda. – Talvez seja só a ausência da luz dos postes de energia – sugeri. – Não! Há algo de diferente no ar – disse ele intrigado. – Vai dizer que agora você anda usando drogas? – brinquei. – Viu aquilo? - indagou-me. – O que? – perguntei espantado.

Foi aí que eu vi algo bizarro. Algumas estrelas começaram a se morrer de um lado para o outro, confundindo-nos. Não eram estrelas cadentes, pois estas caem e não fazem elipses no céu. O movimento destas foi aumentando de velocidade até sermos incapazes de acompanhá-los. Quando nos demos conta, vários outros conjuntos de estrelas faziam o mesmo movimento, transformando o céu em um frenesi total. O seu brilho, cada vez maior, foi nos jogando contra o chão nos privando de ver o que acontecia. Estávamos hipnotizados. E mesmo agora, não posso me recordar exatamente do que aconteceu. Só me lembro de estar caído sobre um campo aberto, por entre as árvores e um ruído grave me ensurdecendo, penetrando em minha alma, me paralisando e me dando tremores. Estávamos, eu e Miranda, dominados por uma força desconhecida e invisível, até ouvirmos um baque parar tudo!

Aos poucos fui retomando o fôlego e a consciência, e reparei que Miranda passava pelo mesmo processo. Quando consegui ficar de pé, tudo parecia estar no lugar. E um silêncio súbito reinava no ambiente. Eu estava surdo? Não sei! Mas após alguns segundos pude ouvir alguns passos atrás mim (Clack.. Clack... Clack.. Clack...), me virei e constatei que era somente uma moça caminhando tranquilamente. E antes de imaginar ter passado por um devaneio, senti e ouvi um forte vulto (zuumm). Pude ver e ouvir que alguns arbustos se mexiam em vários cantos do pátio. Eu e Miranda nos entreolhamos, e quando pensei em dizer que deveríamos sair de lá ouvi um grito de desespero. Só meus pensamentos sabem o quão aterrorizante foi aquele momento. Senti meu corpo bambear com o susto. Olhei novamente para Miranda que estava com os olhos arregalados. Neste momento eu apresentaria aos meus olhos a visão mais horrenda e amedrontadora que minha curta vida já presenciara. Uma enorme fera, semelhante a um crocodilo? A um lobo? A um urso? Pouco importa. A verdade é que um monstro cheio de dentes e pêlos havia devorado metade da mulher que acabara de passar por nós. Em meu desespero tive consciência de olhar ao meu redor, observando que 50 metros depois do monstro passavam correndo quatro pessoas desesperadamente, e logo atrás vinham mais dois exemplares do mesmo monstro. Ouvi seu rugido (Grrrr), e quando o grupo entrou em meio às árvores, sumindo de minha visão, também pude ouvir gritos de dor. Senti raiva. Voltei-me para Miranda no exato momento em que ele bateu em meu ombro. – Corre porra!

Não sei se ele, e muito menos eu, sabia para onde corríamos. Creio hoje que só corríamos. Era nosso medo e desespero falando mais alto. Era nosso instinto de sobrevivência nos movendo por entre as árvores. Rumo ao nada, fugindo da morte, desejando estar no mais traiçoeiro dos pesadelos. Mas tudo era real, pois vi Miranda se jogar bruscamente para o lado enquanto uma fera investiu contra ele. Não faço idéia de onde ele tirou aquele reflexo, pois foi suficiente para desviar do monstro que cravou seus dentes em uma árvore. Passei pelo demônio e ajudei Miranda a se levantar. Corremos, muito, até chegar ao estacionamento a céu aberto da universidade, que tinha o tamanho de dois campos de futebol. Olhamos adiante, para a saída do estacionamento na ala norte, e vimos quinze pessoas sendo perseguidas por três monstros. Olhei para a ala oeste e percebi que por lá sete monstros trucidavam pessoas, as rasgando e jogando-as contra os carros. Como se uma força nos movesse, eu e Miranda corremos o máximo que podemos para a ala leste do estacionamento, onde havia uma parte coberta reservada aos diretores da universidade. Lá nos escondemos atrás de uns carros, dentre eles um Chevrolet Camaro. – Temos que chegar ao prédio de Matemática. Tenho as chaves de uma sala, onde podemos nos esconder – disse eu muito ofegante. – O que são essas coisas? Vamos morrer! – disse Miranda assustado. Nunca o vira naquele estado e creio eu que ele deveria estar pensando o mesmo de minha expressão. A morte, o horror e o desespero estavam diante de nós, e se não fizéssemos nada teríamos o mesmo fim de todas as pessoas que agora eram dilaceradas  em meio aos carros. – Isso é uma grande desgraça! Só pode ser um pesadelo – disse eu não acreditando no que via. – Como sairemos daqui e chegaremos em segurança ao prédio de Matemática? – perguntou Miranda. – Pelo único método que nos restou. Correndo muito!

Quando nos levantamos de nosso esconderijo e demos alguns passos a frente, uma fera caiu com seu corpo pesado sobre o Camaro, que ficou esmagado. Nos encarou. Provavelmente estava lá para nos atacar, e por sorte saímos na mesma hora. Saímos o mais rápido possível de lá, estacionamento adentro, e a fera nos perseguiu. Um meio fio que dividia as vagas dos carros me fez tropeçar e cair. A besta horripilante pareceu diminuir sua velocidade se preparando para investir contra mim. Olhei-a nos olhos, e vislumbrei a morte. Pude reparar que ela tinha três vezes o meu tamanho. Era o meu fim. Percebi a presença de Miranda atrás de mim, parecendo esperar que um milagre me desse alguma chance de sobreviver. Foi então que ela investiu. Fechei os olhos e esperei o meu julgamento final. Mas nada aconteceu além do barulho de um impacto violento. Quando abri os olhos (tudo parecia acontecer em câmera lenta) vi que um carro havia atingido em cheio o monstro, e agora ambos capotavam por cima dos carros. Deveria ser alguém tentando fugir, algo que infelizmente acabou em desastre, porque agora carro e monstro explodiam em uma imensa bola de fogo e destroços. Miranda me gritou, e eu entendo me levantei e voltei a correr. Tudo foi tão rápido que eu nem tive ao menos tempo de pensar no perigo que passei. Agora só corríamos em direção ao prédio de Matemática.

FIM DA PARTE UM

Se você está gostando, me siga e me ajude a DIVULGAR, para que mais rapidamente eu possa postar a PARTE DOIS...

Luz e sabedoria a todos!!

segunda-feira, julho 02, 2012

Bijuterias - João Bosco/Aldir Blanc – Análise

Um olhar sobre a canção do cantor e compositor mineiro João Bosco.



Aqui eu tentarei discutir um pouco do significado desta bela canção, contida no álbum "Tiro de misericórdia" de 1977. Ela percorreu mais de 30 anos até reaparecer firme e forte em 2011 no remake da novela "O Astro". É claro, né? Uma obra de João Bosco e Aldir Blanc sempre será atemporal, afinal estamos nos referindo a dois gênios da música brasileira.


Ela acabou, por incrível que possa parecer, entrando de última hora como tema de abertura da novela "O Astro" de Janete Clair em 1977. O produtor Guto Graça Mello estava a procura de uma canção que tivesse bastante afinidade com o tema místico da novela, porém, não obteve muito sucesso até tomar conhecimento das gravações do novo álbum de João Bosco, que viria a se chamar "Tiro de misericórdia". Guto então resolve visitar João no estúdio, para pedir alguma informação que o ajudasse. Foi quando ele decidiu escutar o que já havia sido gravado por João. E ao chegar a faixa n°9 a aceitação por parte de Guto foi instantânea.



Pois bem, história contada, agora mãos a obra.


E/D
Em setembro
Dm7/9
Se Vênus me ajudar
G7/9
Virá alguém
F#m7
Eu sou de virgem
F7M
E só de imaginar
Bb7/9 A7M 
Me dá vertigem

Vênus é a deusa do amor que ajudará a nossa pessoa de Virgem, nascida em Setembro, a encontrar seu amor. E isso lhe traz vertigem, dado o alto grau de realismo, e por ventura, pessimismo do virginiano. Repare como a harmonia criada por João Bosco nesta parte da música condiz exatamente com a letra de Aldir Blanc. Ela traz uma sensação de “plano das idéias” onde o narrador da história parece estar pensando sobre si mesmo, e de repente, dá-se um baque harmônico rumo a narrativa da história propriamente dita.

Dm7/9 
Minha pedra é ametista
G7/9
Minha cor, o amarelo
C7M
Mas sou sincero
Necessito ir urgente ao dentista

A pedra dele é a Ametista, que o auxilia a desvendar os sonhos e entender o plano celeste, papel de um bom esotérico. E sua cor é o amarelo, cor que o auxilia a entender os diferentes pontos de vista, e assim, assimilar uma sabedoria que o permita desvendar os mistérios da vida. Mas sendo sincero e realista, ele sabe que precisa ir ao dentista, pois ninguém é invencível. Assim como qualquer pessoa na face da terra, ele deve se cuidar, pois mesmo sendo de Virgem (um indivíduo extremamente racional) isto não o impede de ter defeitos como qualquer um. Reparem que nesta parte da harmonia, que já começa melancólica, exatamente na frase “mas sou sincero, necessito ir urgente ao dentista” ela ganha um peso mais obscuro com o acorde “C7M” mostrando a fragilidade humana.

F7M F#m7
Tenho alma de artista
E11+/B G#m7
E tremores nas mãos

Ele tem uma grande alma de artista, por assimilar bem as coisas, mas seu realismo o faz ter medo (tremores nas mãos), coisa que também é característica do lado negativo do amarelo. Os virgianos não dão margem à emoção por "temerem" serem domados por ela, daí o artista que treme. Interessante é a gangorra harmônica que temos nesta parte da música: Começamos em um grave “tenho alma” em F7M; atingimos o auge em “de Artista” em F#m7 (acompanhado do coro), dando uma demonstração nostálgica do que pode ser um virginiano artista; mas começa a decair para um estágio de certa incredulidade, devido ao “tremores nas mãos” em E11+/B e o G#m7 até culminar na próxima parte.

Bb7/13- Eb7M/9
Ao meu bem mostrarei
D7M/9 F#m7 
No coração. Um sopro e uma ilusão
B11
Eu sei

Mostrar o coração ao bem dele é uma ilusão, pois seu lado racional sempre falará mais alto ("eu sei"). Aqui a harmonia da música parece entrar numa “vibe” ilusória, bem de acordo com esta passagem, e os acordes F#m7 e B11 em seqüência parecem reforçar o “eu sei”, música e letra concordando ao mesmo tempo.

Em7 B4/C#
Na idade em que estou
F#7/13- F#7 F--E7--A7M
Aparecem os tiques, as manias

O virginiano por ser lógico e racional, é metódico, e uma pessoa idosa e metódica acaba adquirindo alguns tiques provenientes de suas "manias". A harmonia nesta parte atinge uma volta a realidade em “na idade em que estou” com os acordes Em7 e B4/C# dando uma impressão de preparação para o fim de uma história, até então decair pelas notas F#7/13-, F#7, F e E7, culminando em A7M constatando “as manias” de uma vida regada por metodismo.

E/D Dm7/9
Transparentes Transparentes
G7/9
Feito bijuterias
F#m7--F7M--Bb7/9--A7M
Pelas vitrines
Dm7/9
Da Sloper da alma

No fim de tudo, o que importa é você ser quem você é, transparente, feito uma bijuteria ou uma vitrine, que aqui no caso é a da Sloper, uma loja de Departamentos do RJ... E finalizando, a partir dessa transparência, dessa vitrine, a pessoa amada escolhe ou não se juntar (comprar) a outra. Aqui a harmonia volta ao seu estágio inicial do “plano das idéias”, ilustrando a conclusão das reflexões da pessoa em questão. E reparem que após a frase “da sloper da alma” a música entra em um arranjo de cordas simbolizando a paz de quem finalmente se encontrou com seu “eu”, vivendo de bem consigo mesmo, reconhecendo seus limites e sabendo onde pode chegar.


Espero que tenham gostado. Se gostou me segue. Grande abraço!






terça-feira, janeiro 10, 2012

O LEGADO DE JOHANNES KEPLER: O Defensor Da Ciência Empírica.

Em tempos de descobertas espaciais de novas estrelas, galáxias e planetas, através da sonda espacial “Kepler”, nada mais justo do que fazer uma homenagem a este astrônomo que faria 440 anos no último dia 27 de Dezembro de 2011.


Para um homem do século XXI, observar o cosmos já não consiste em uma tarefa tão difícil. Com muitos séculos de observação astronômica acumulada a humanidade já avançou muito nas descobertas dos mistérios que regem o universo. Difícil é entender como as pessoas do passado enxergavam o céu. Entender como os homens de séculos atrás de nós, compreendiam o espaço ao seu redor. Quais eram as concepções de universo dos estudiosos, e em que isso implicava na vida deles e de seus contemporâneos. Devemos lembrar que os homens daquele período nem sempre podiam se aventurar com a devida liberdade pelos mistérios da natureza, por motivos de força maior. O conhecimento científico, na verdade, o conhecimento como um todo não possuía a completa autonomia para se desenvolver e para questionar “a verdade científica da época”. É, portanto, necessário haver coragem para ir de encontro às concepções religiosas de seu tempo, sabendo que terá de enfrentar a fúria da mesma e possivelmente sofrer as conseqüências de tal coragem. É preciso ter bravura e confiança para questionar o que a ciência de seu tempo diz ser o certo, mostrando ao mundo novas formas de enxergar as coisas, seja pelos cálculos e os fenômenos da natureza, ou pela análise dos fenômenos históricos e sociais. Poucas pessoas na história da humanidade tiveram essa disposição. Para ser sincero, poucos foram aqueles que buscaram entender o mundo e o universo de fato. Utilizar o conhecimento de verdade, não somente como um meio de trabalho, com obrigações e compromissos. Uma investigação de fato, por puro prazer e vontade de se aprofundar nos mistérios da vida e da natureza. Mas de séculos em séculos, somos presenteados com almas assim. Uma dessas almas sem dúvida foi Johannes Kepler.

A Noite de São Bartolomeu 
Nascido em Weil der Stadt (sul da atual Alemanha, na época Sacro Império), no dia 27 de Dezembro do ano de 1571, Kepler era filho de Heinrich Kepler (um ex-soldado) e Katharina Guldenmann Kepler, uma família protestante. Era neto de Sebald Kepler, também protestante, que foi prefeito da cidade mesmo esta sendo católica. Nasceu em um contexto de conflitos político-religiosos (Reforma Protestante e Contra-Reforma) que assolavam toda a Europa. O questionamento dos assuntos religiosos pelo meio da ciência assombrava Católicos e Protestantes, que temiam perder seus fiéis, e assim suas influências. As fundações do meio religioso estavam fortemente abaladas e a estrutura vibrava com uma intensidade similar aos abalos sísmicos, que geravam ondas de violência caracterizando, portanto, um cenário de terror. E assim, o conhecimento científico representava uma grande ameaça à ordem estabelecida. As descobertas da ciência poderiam jogar por terra todas as crenças acerca do mundo e do cosmos, fazendo ruir de vez as edificações religiosas. Nesse contexto Kepler viveu, estudou, observou, teorizou, provou e revelou.

Sua família, devido aos poucos recursos, o enviou ao seminário para os estudos. Foi aprovado para estudar Teologia na Universidade de Tünbingen em setembro de 1588 (aos 17 anos), onde iniciou somente em 17 de setembro de 1589. Completou os estudos em Artes, incluindo grego, hebraico, física e astronomia em 10 de agosto de 1591, sendo aprovado no mestrado. Nesta época Kepler já havia tido contato com os textos de Nicolau Copérnico (1473-1543).

Nicolau Copérnico e a Teoria Heliocêntrica
Nicolau Copérnico, clérigo da Igreja Católica, foi um astrônomo polonês que rompeu com o conhecimento estabelecido desde o século primeiro que dizia que a Terra era o centro do Universo. Esta idéia foi difundida pelos escritos de Cláudio Ptolemeu (90-168) na obra “Almagesto”, uma síntese dos trabalhos anteriores de Aristóteles, Hiparco, Posidônio e muitos outros, focado em demonstrar e estabelecer o modelo geocêntrico de Universo. Por motivos estético-filosóficos, Copérnico viu no modelo geocêntrico, vários fatores que não faziam sentido. O principal deles era o movimento desferido pelos corpos celestes. A teoria que dizia que a Terra era o centro do Universo, estabeleceu que os planetas e o sol desferiam epiciclos ao redor do nosso planeta. Aos olhos de Copérnico isso não era belo. Foi aí que ele resolveu modificar o sistema. No centro do modelo ele colocou o Sol, o maior elemento presente no céu, e os demais planetas, inclusive a Terra, o orbitando. Foi então que Copérnico elaborou uma das teorias mais importantes da história da ciência, ao ponto de ser concebida como o ponto de partida da ciência moderna. Ao colocar o sol no centro ele percebeu que os planetas que completavam suas órbitas no céu mais rápido, automaticamente ficavam mais próximos do Sol, como Mercúrio e Vênus, assim como os planetas que realizavam seus movimentos com um tempo maior ficavam mais afastados. Foi como mágica! Estava fundada a teoria heliocêntrica.

Um planeta descrevendo epiciclos
Porém, Copérnico sabia que tais teorias poderiam vir a lhe trazer malefícios, sendo ele do meio religioso. Sabendo disso, só veio a publicar suas descobertas no leito de morte. Foi então que o mundo conheceu a obra “Das Revoluções das Órbitas Celestiais”, que dizia que o sol era o centro e não a Terra. E nesta obra Copérnico determinou: “Não há conexão mais perfeita entre o tamanho da órbita e a sua duração.” Ou seja, quanto mais um planeta é afastado de sua estrela (no nosso caso o sol), maior será a duração de sua volta ao redor. Talvez, esta tenha sido a primeira vez em que o homem olhou para o céu e percebeu que não era ele (o céu) que se movia, e sim a terra que se movimentava. Copérnico também foi o responsável por estabelecer que a Terra descrevia um giro ao redor de seu próprio eixo a cada vinte e quatro horas. Inspirado nestas descobertas Kepler veio a fundamentar novas idéias acerca do que víamos da Terra. Entretanto, ainda era necessário romper com alguns conceitos filosóficos que perduravam desde a Grécia Antiga.

Mistérios do Universo
Naquela época não havia distinção entre alguns ramos do conhecimento. E em 1594, Kepler é convidado a ser matemático em Graz, na Áustria, onde além de astrônomo e matemático, ele era astrólogo. Era responsável por prever boas colheitas, dias de bonança, de guerra, prever epidemias, dentre muitas outras coisas. Essa ausência de elementos que distinguissem Astronomia de Astrologia, se deveu ao fato do pouco conhecimento científico se comparado com os dias de hoje. Muitos dos fenômenos vistos da Terra eram interpretados como presságios enviados do plano divino. O céu era um mistério absoluto para os homens do início da Idade Moderna, que começavam aos poucos desvendar os enigmas do Universo e compreender um pouco mais da mecânica espacial. No ano de 1597, Kepler publicou sua primeira obra, que se chamava “Mistérios do Universo”, onde ele se mostrou um defensor da teoria Copernicana heliocêntrica, propondo novas formas de medir as órbitas planetárias com formas geométricas. Enviou, então, um exemplar ao astrônomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601), que desacreditava a teoria heliocêntrica de Copérnico por motivos teológicos. Um mesmo exemplar foi enviado a Galileu Galilei (1564-1642), que respondeu em uma carta agradecendo-o. Brahe, apesar de ser defensor do geocentrismo, ficou empolgado com as proposições da obra de Kepler, e em 1600 o apresentou ao imperador Rudolph II da Boêmia (1552-1616) , que o contratou como assistente de Brahe. Por ironia do destino, em 1601 Brahe faleceu, e Kepler herdou todos os seus estudos e o seu cargo como matemático oficial da corte.

Astronomia Nova

Talvez este tenha sido o maior dos presentes na vida científica de Kepler, pois a partir de então ficaram a disposição dele inúmeros relatórios de 20 anos de observação astronômica. A mais completa das análises, era em relação à órbita de Marte. Descobriu ter em mãos análises de precisões nunca antes atingidas. Contudo, ao tentar aplicar os cálculos às órbitas registradas por Brahe, Kepler viu que os números não batiam. O modelo circular aristotélico era impreciso. Essa concepção de mecânica celeste circular era uma idéia proposta no tempo dos gregos, que diziam que os corpos celestes só poderiam se movimentar na mais perfeita das formas, o círculo, que com certeza era uma criação divina. Kepler sabia da importância dos estudos Brahe, e de seus registros. O problema então deveria estar na geometria celeste. Buscou, portanto, primeiro compreender a órbita desferida pela Terra, se é que esta orbitava mesmo o Sol. Foi então que ele fez uma descoberta revolucionária. Percebeu que a Terra descrevia um movimento similar a um círculo, ficando o sol descentralizado. O que acontecia, era que a Terra e os demais planetas do sistema solar orbitavam o sol em elipses bifocais, com o sol em um dos focos. (Abaixo um exemplo de elipse bifocal, com o sol representado em um dos focos.) Os cálculos se encaixaram. Em 1609, publicou a obra “Astronomia Nova”, onde determinou duas das primeiras de suas leis.


O Sol em dos focos da elipse desferida pela órbita do planeta 

A primeira Lei de Kepler (lei das órbitas elípticas) diz: “os planetas movem-se em órbitas elípticas ocupando o Sol um dos seus focos.” Veja como o sol está em um dos focos da orbita elíptica de um planeta qualquer.


A segunda Lei de Kepler (lei das áreas): Percebeu nosso astrônomo alemão que o movimento dos planetas ao redor de uma estrela não era uniforme. Ao estar mais afastado da estrela no movimento orbital (Afélio), um planeta qualquer se movimenta mais de devagar, e ao estar mais próximo (Periélio), se movimenta mais rápido. Kepler foi o primeiro a tropeçar, no que meio século mais tarde Isaac Newton  (1643-1727) revelou ao mundo ser gravidade. Para falar a verdade, Newton se fundamentou nas Leis de Kepler para formular as leis da Gravidade Universal. É algo que nunca saberemos com toda certeza, mas fica evidente que a existência de Kepler e a formulação de suas idéias 50 anos antes, foram de extrema importância para o que Newton viria a descobrir depois. A ciência agradece! Baseado nestas observações Kepler determinou: "A linha que liga o planeta ao Sol varre áreas iguais em tempos iguais." Como estará exposto na imagem, o que Kepler disse foi que dependendo da distância que um planeta estiver de uma estrela ele se movimento mais ou menos rápido. Imaginemos o A1 e o A2 na figura, dois cones no qual respectivamente denominarei Cone 1 e Cone 2. A linha que liga o sol ao ponto inferior do Cone 1 é um raio. Este é um ponto de partida. Imaginemos agora que como um relógio este raio se movimenta. Se contarmos X de tempo, a distância percorrida na elipse será aquela da figura A1 ou Cone 1. 

Duas posições de um planeta (Afélio e Periélio)
Note que produziu um Cone mais largo que o Cone 2 ou A2. Ou seja, por estar mais próximo do Sol (Periélio), Cone 1 ou A1 percorre um arco ou cone mais largo em relação ao Cone 2. E se fizéssemos a mesma experiência com A2 ou Cone 2, com o mesmo X de tempo, o cone produzido seria aquele da figura, mais fino, por estar mais afastado do sol (Afélio). Porém, apesar de mais largo, A1 ou Cone 1 é um cone mais curto em relação a A2 ou Cone 2 que é menos largo e mais comprido. Logo, se mais próximo do sol ou uma estrela qualquer, produz um cone mais largo e curto, e se afastado mais fino e comprido com o mesmo X de tempo de movimento. Segundo os cálculos de Kepler, os dois cones possuem áreas iguais, com a diferença que Cone 1 é largo e curto e Cone 2 fino e comprido. E ainda segundo ele, independente de que ponto esteja na órbita da elipse um planeta, a área será sempre a mesma, dependendo da proximidade ou não do Sol, que influência em sua velocidade. Eu vou chamar esta área de Y. Em síntese, se um planeta percorre um determinado trajeto da órbita, com um tempo X, ele sempre produzirá a mesma área Y, sendo o Sol o elemento que influência a variação da velocidade. X de tempo produz Y de área em uma órbita sempre, independente da posição. Repito aqui a frase de Kepler de sua segunda Lei: "A linha que liga o planeta ao Sol varre áreas iguais em tempos iguais". Parece perfeito! Devido a isso Kepler chegou a afirmar: “Os céus contemplam a glória de Deus." Mas o porquê desta “perfeição” só foi esclarecido no início do século XX por Albert Einstein em sua Teoria da Relatividade Geral.

Sistema Solar eliptico
Ao analisar esta descoberta Kepler percebeu que Sol influenciava diretamente na mecânica planetária. Tentou relacionar a variação de velocidade e as diferentes distâncias de um planeta e outro, e concebeu que por de trás disto tudo um mesmo elemento, força, ou seja lá o que for deveria ser o responsável pelo fenômeno. Coisa que ele nunca descobriu. Mas o leitor já deve ter percebido até aqui o quão importante sua obra foi. Porém, Kepler, infelizmente, parece às vezes esquecido. Mas em minha humilde concepção, ele foi tão gênio quanto os outros. É um erro tratá-lo com mais um. Graças a Kepler, pela primeira vez na história, a teoria heliocêntrica ganhava bases e argumentos empíricos. Como veremos na terceira Lei, era possível prever com grande precisão as órbitas dos planetas de forma inédita até então. Kepler foi um grande herói, tendo em vida revelado a humanidade, e com argumentos matemáticos (campo que foi mais desenvolvido por Isaac Newton, quando este inventou o Cálculo) o heliocentrismo.

Harmonia dos Mundos
A terceira Lei de Kepler (lei dos tempos), publicada na obra “Harmonia dos Mundos”: "Os quadrados dos períodos de translação dos planetas são proporcionais aos cubos das suas distâncias médias ao Sol." Esta lei indica que existe uma relação entre a distância do planeta e o tempo que ele demorará a completar uma revolução em torno do Sol. Portanto, quanto mais distante estiver do Sol mais tempo levará para completar sua volta em torno desta estrela. Em síntese, k é uma constante igual para todos os planetas do Sistema Solar, T o período orbital e D o semi-eixo maior da órbita do planeta (distância que o planeta fica mais afastado do sol em sua órbita). Se utilizarmos o período em anos e a distância em unidades astronômicas o valor da constante é 1. A equação seria T² sobre D³ = k. A 3.ª Lei de Kepler viria mais tarde a ser generalizada por Newton de uma forma que permite aplicá-la a quaisquer corpos em movimento orbital em torno um do outro, desde planetas, a estrelas duplas, a galáxias, etc.

Equação da Terceira Lei de Kepler
Talvez, como disse, nunca saberemos, se Kepler não tivesse existido, muito dos mistérios do espaço ainda seriam mistérios. Isaac Newton delcarou: "Se enxerguei longe, foi porque me apoiei nos ombros de gigantes". Era uma clara referência a Nicolau Copérnico, Johannes Kepler e Galileu Galilei. Kepler revelou ao mundo as leis que demonstravam de forma empírica que o Sol era centro de nosso espaço conhecido até então. Kepler foi sem sombra de dúvidas uma das mentes mais importantes da história da humanidade. Não só pelo fato de ter feito descobertas importantes, mas pelo fato de ter se proposto a isso, de ter questionado as concepções impostas tanto pela ciência quanto pelos religiosos de sua época. A sua coragem possibilitou aos homens darem mais um passo rumo à evolução da ciência. Porém, a meu ver, o que é mais importante é que Johannes Kepler foi um ser humano como eu você, como Isaac Newton e Karl Marx que se permitiu pensar o mundo e o Universo. Tentou entender os mecanismos que regem a natureza e o cosmos, assim como Marx buscou entender o funcionamento da sociedade. Isso é o mais importante! 

Johannes Kepler
Foram pessoas que utilizaram suas mentes não por algo pessoal, mais para compreender a realidade em que vivemos, buscando sempre um objetivo final que é o bem de todos. Independente da crença religiosa ou concepção filosófica de cada um foram pessoas que se dedicaram em compreender o passado, o presente e futuro. Independente se era físico ou historiador, foram seres humanos que buscaram conectar os pontos e entender quem somos, de onde viemos e para onde vamos. Disse Johannes Kepler: "Quanto mais o homem avança na penetração dos segredos da natureza, melhor se desvenda a universalidade do plano eterno. [...] Não nos perguntamos qual o propósito útil dos pássaros cantarem, pois o canto é o seu prazer, uma vez que foram criados para cantar. Similarmente, não devemos perguntar por que a mente humana se inquieta com a extensão dos segredos dos céus… A diversidade do fenômeno da Natureza é tão vasta e os tesouros escondidos nos céus tão ricos, precisamente para que a mente humana nunca tenha falta de alimento."

REFERÊNCIAS - Para saber mais de Astronomia e de Astrônomos recomendo estas fontes:
http://www.dannybia.com/danny/pens/johannes_kepler.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Johannes_Kepler
http://pt.wikipedia.org/wiki/Leis_de_Kepler
http://www.infoescola.com/astronomia/johannes-kepler/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Tycho_Brahe
http://www.ccvalg.pt/astronomia/historia/johannes_kepler.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Nicolau_Cop%C3%A9rnico
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ptolemeu

Vídeos:
O Universo Além do Big Bang - http://www.youtube.com/watch?v=MLIGSOrQKEY
Mentes Brilhantes - http://www.youtube.com/watch?v=xxFXdMuqbMA (parte 1) ; http://www.youtube.com/watch?v=bgtdfI0jsi4&feature=related (parte 2) ; 
http://www.youtube.com/watch?v=QBZKMuWp_es&feature=related (parte 3) ; http://www.youtube.com/watch?v=u9Ohi-rEqzo&feature=related (parte 4) ; http://www.youtube.com/watch?v=R48_Dm6MYxE&feature=related (parte 5).



OBRIGADO PELA LEITURA! SE GOSTOU ME SIGA.

LUCAS NOGUEIRA GARCIA