quarta-feira, janeiro 30, 2013


QUEM SOU EU?

Todas as manhãs eu te acordo. Desdenho do seu sono! Faço você se levantar da cama sem nenhuma piedade. Obrigo-te a despertar na marra! Você corre para o espelho do banheiro e lá estou eu te circulando, lá estou eu te olhando no fundo dos olhos, te julgando, te apressando, te mostrando as minhas marcas, te causando desespero e angústia.
Você se senta à mesa para se alimentar e eu me sento ao seu lado e esfrio o seu café. E como se não bastasse o aspecto ruim que ele toma logo eu vou te puxando. O café frio ficou para trás. Às vezes nem o pão eu deixo você comer, mas problema. Eu estou no controle. Vou te empurrando pelas costas. Não tenho pena de você.
Logo você está no seu banho, mas eu o torno frenético. Desesperado. Desleixado! Eu te puxo todo molhado para fora de seu banheiro. Faço com que você escorregue, tropece no brinquedo de seu filho, derrube o porta-retratos de sua esposa enquanto você tenta se vestir sem ao menos ter se secado adequadamente.
Você aperta o nó da gravata. Está pronto! Mas eu te mostro o seu ônibus indo embora pela janela de sua casa. Você corre. Corre depressa. O ônibus se foi. Você tem seu primeiro momento de fúria em seu breve dia. E eu estou ao seu lado para aumentar seu sofrimento. Você espera o próximo ônibus. Ele chega lotado. O dia está quente e você engravatado.
Sua condução para e você fica indignado. Ela não pode parar. E eu te apoio nisso. Você olha para fora e vê o engarrafamento, as buzinas e o tumulto. Pensa em sair correndo. Se remexe, se coça, suspira e desiste. É insensato. Mas eu estou ao seu lado, cochichando em seu ouvido. Você suspira mais. O dia mal começou e você já está estressado.
Enfim, o ônibus volta a andar e o transito flui. E eu? É claro, chacoalho seus ombros. Não é suficiente. Mais depressa, mais depressa! Você chega correndo em seu trabalho todo desajeitado. Te dou um alívio. Você cumpriu com sua obrigação. Mas seu patrão lhe recebe com um sorriso macabro no rosto, tão macabro quanto o meu. Ele lhe entrega uma pilha de papéis. Um desejo de bom dia! Um bom dia preso a papéis. E preso a mim.
Estou com minhas mãos agarradas a sua cabeça. Aperto-as cada vez mais. Te chacoalho outra vez. “Vamos, você tem trabalho a fazer!”. Lá fora o sol atinge seu auge na abóboda do céu. E cá está você com os cabelos desgrenhados e com os miolos fervendo. Debruçado sobre a pilha de papéis. “Bom dia!”. E eu? Te cutuco a costela e dou petelecos em sua orelha. Rindo da sua cara de desespero. O sol está se pondo. Sua respiração está ofegante, seu corpo está num estado deplorável. Você está com fome. Você não pensa em nada. Só em mim e na pilha de papéis.
O sol se pôs. Não foi um bom dia. Você se levanta. Está indo para casa. Mas antes seu patrão te aborda. “Amanhã será um dia muito melhor e mais produtivo que esse.” Você dá um sorriso amarelo e cansado. Mas é a realidade.
Você refaz o trajeto para casa. Agora você volta a pensar, mas nada em sua cabeça me escapa. Eu baguncei sua mente. Você pensa em mim. Somente. E sabe o quanto eu te escravizo. Te domino. Você está em minhas mãos. Eu sou o maestro da sua vida. Seu Deus. Seu guia. Seu demônio. Você não vive sem mim. Estou no seu pulso. Estou em seu bolso. Estou na parede de sua casa e de seu trabalho. Na tela de seu computador. Dentro de sua cabeça.

Eu sou o Tempo!

FIM.

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terça-feira, janeiro 22, 2013


O Otimismo e o Pessimismo: Um Conto sobre Edgard, Brunna e o Cavaleiro Verde.




Há muito, muito tempo (muito tempo mesmo) um Senhor dava uma festa em honraria ao seu exército. Não cabe a essa história dizer as glórias passadas destes homens, pois só o que um deles realizou a seguir nos importa.

- Edgard! Chamou o Senhor.
- A ti me apresento honorável provedor.
- Quero lhe dar um presente por todas as suas conquistas em campo de batalha. Esta é a lendária armadura do Otimismo, inabalável e indestrutível. E você, como chefe maior de nosso exército deve portá-la.
- É uma felicidade indescritível, meu Senhor. Agradeceu Edgard.

Edgard era um guerreiro famoso. Nunca perdera uma batalha sequer. Havia levado o exercito de seu Senhor a incontáveis vitórias. E agora, investido da armadura, se sentia o mais poderoso dentre os homens.

Não quero entretê-los com sangue de guerreiros mortos, esse não é o objetivo deste conto. Muitas foram as batalhas que nosso guerreiro liderou até a vitória. A cada dia ele se sentia mais indestrutível e mais inabalável.

Certo dia, cavalgando com seu exército, Edgard resolveu parar em um pequeno vilarejo para descansar. Ele andava tranquilo pelas ruas do lugar apenas observando, até que uma figura se colocou ao seu lado. Tinha um belo cavalo marrom, um brilhante elmo e armadura prateada ornamentada de esmeraldas, e uma bela capa verde. Nosso guerreiro apenas o olhou.

- Precisa de minha ajuda? Perguntou o misterioso cavaleiro.
- Não. Respondeu Edgard sorrindo.
- E o que te leva à vitória?
- Minha armadura do Otimismo. Disse batendo com os punhos no peito.
- Assim seja, meu caro amigo. Disse o cavaleiro ao se virar e galopar para longe.

Edgard deu pouca importância ao acontecimento e foi dormir. No dia seguinte uma chuva terrível castigava os campos daquele vilarejo. Nosso guerreiro saiu às ruas para supervisionar o seu exército. Para sua surpresa um de seus soldados lhe deu a triste notícia de que seu cavalo havia fugido.

- Eu vou atrás dele. Disse Edgard, tentando falar mais alto que a chuva.
- Sir, você vai morrer. O mundo está desabando em água.
- Não seja tolo, minha armadura está comigo.

Assim ele foi. Trovões rasgavam o céu de fora a fora com uma precisão nada cirúrgica. Depois de caminhar muito tempo ele se deparou com uma montanha. E lá, no alto, estava seu cavalo. Nem sequer respirou. Em segundos ele estava dominando a montanha. Os trovões aumentavam e ele se aproximava de seu cavalo. Quando já estava a poucos metros de seu animal um raio atingiu com toda força as pedras acima de sua cabeça. Na tentativa de se salvar ele tentou pular em um conjunto de pedras ao seu lado, porém, devido à chuva ele escorregou. Bateu com o tronco no chão, rolou para trás, mas antes que ele despencasse da montanha se agarrou com firmeza em uma das pedras. Ele olhou para baixo e viu que a queda seria bem longa. Mal conseguia se segurar. Eis que acima dele uma voz cortou a chuva.

- Precisa de ajuda? O cavaleiro misterioso aparecia mais uma vez.
- Não! Esbravejou Edgard. Minha armadura está comigo e eu vou fazer isso sozinho.

O cavaleiro misterioso apenas o observou. Segundo a segundo Edgard perdia a luta.

- Oh, esta armadura está pesada demais. Sugeriu o Cavaleiro misterioso.
- Não está! Ela me protege.

Dizendo isso Edgard caiu. Seu corpo foi engolido pela névoa da chuva e ele desapareu sob o mar de rochas. Dor intensa. Escuridão... escuridão... escuridão... Luz... luz... Edgard abriu os olhos e percebeu que estava deitado sobre uma cama e em um lugar desconhecido. Na verdade ele só podia ver o que a luz de uma vela era capaz de iluminar. E ao seu lado estava o cavaleiro, ainda de elmo.

- Um voo alto às vezes leva a quedas drásticas. Disse o cavaleiro misterioso rindo.
- E risadas indecentes também levam a perda de dentes. Tentou se movimentar Edgard, mas tudo era dor.
- Se acalme em breve você estará melhor, aí talvez lute comigo.
- Quem é você?
- Todos me chamam de Cavaleiro Verde, mas você pode me chamar de Esperança, amigo.
- Esperança é um bom nome para quem sempre está por aí e nunca mostra o rosto.
- Certamente. Concordou o Cavaleiro Verde.
- E por que sempre me ofereceu ajuda?
- Porque você se esqueceu de você mesmo. Desde o momento que você vestiu essa armadura do otimismo você se esqueceu da pessoa que você é, que é cheia de virtudes, mas também que é cheia de defeitos. Humano. Ninguém é indestrutível. Ninguém é tão melhor que os outros que não precise de ajuda ou de conselhos. Essa armadura é importante sim, ela foi sua principal companheira de vitórias, mas ela é só um mero instrumento de batalha. O campeão aqui é você.
- Devo me livrar dela?
- Jamais, e também não deve se esquecer de minhas palavras. Outra coisa, já tratei de seus ferimentos e amanhã ao raiar do dia você já estará curado. Mas, em troca, vou precisar que me ajude.
- Qualquer coisa, senhor.
- Já ouviu falar de Brunna?
- Não.
- Certo. Brunna é uma guerreira de terras a oeste daqui. Onde o sol se põe. Ela também possui uma armadura. É a armadura do pessimismo. Ela vai às batalhas com o pensamento de que as coisas poderão dar errado, assim não se decepciona. Sempre está pronta para receber um golpe. Porém, há certos momentos em que ela trava, fraqueja ou desacredita de seu objetivo. Perde sua obstinação. Peço que você, Edgard, vá até ela e ofereça a sua ajuda.
- Eu? E ela aceitará a minha ajuda?
- Não. Disse o Cavaleiro Verde rindo mais uma vez.
- Então o que farei?
- Nada, só ofereça sua ajuda, o destino se encarregará do resto.
- E meu exército, como ficará?
- Eu cuido disso para você.
- Mais uma coisa, como você sabe tanto de mim se eu não te conheço?
- É porque estou sempre por aí e nunca mostro o rosto. Disse sorrindo.

Assim a vela se apagou e a escuridão dominou o mundo e os pensamentos de Edgard. O Cavaleiro Verde desapareceu com a luz. No dia seguinte o nosso guerreiro acordou curado. Deixou a cabana que estava para trás e mergulhou na luz do dia. Seu cavalo o esperava do lado de fora. Cavalgou rumo ao oeste sempre com o sol na cabeça. Depois de algumas horas de viagem ele avistou, entre às árvores de um vale, uma batalha acontecendo. Com cautela se escondeu entre algumas folhagens e observou por um tempo. Viu que entre os guerreiros havia um que era diferente. Fazia movimentos muito mais delicados e belos que a maioria dos brutamontes. Era Brunna. Pelo que observava, o exército de Brunna estava alcançando a vitória. Um dos homens do exército inimigo fugiu na direção de onde Edgard estava. Ela o seguiu e o golpeou com uma espada. Ele caiu se contorcendo, mas para a surpresa dela o homem fez um giro rápido abrindo um corte em seu braço. Ela travou por uns segundos, mas logo retomou a consciência e golpeou mais uma vez o adversário decretando o fim da luta.

O corte começou a doer. Ela se sentou sob uma árvore e lá ficou com uma cara bem emburrada. Edgard a olhava com curiosidade. Com muita curiosidade. Até que seus olhares se encontraram.

- Quem está aí? Perguntou Brunna.

Edgard se empertigou, coçou a cabeça todo embaraçado e com um sorriso amarelo ele saiu das folhagens. Brunna riu ao vê-lo pela primeira vez.

- É, como posso explicar? É porque...
- Só perguntei quem é você. Brunna ainda estava rindo.
- Edgard, o otimista, das terras do leste.
- O otimista? Pobrezinho. Brunna riu mais uma vez.
- Pobrezinho é a... é...
- O que você ia dizer, guerreiro otimista?
- Você precisa de ajuda? Minha ajuda sabe? Minha. Disse apontando repetidas vezes para si próprio o desajeitado Edgard.
- Não! Nem de você e nem de ninguém. O sorriso de Brunna sumiu instantaneamente.
- Então, até a próxima. Disse Edgard se virando.
- Próxima? Brunna riu.
- Adeus, adeus. Disse ele chacoalhando as mãos.

Edgard estava indo embora, mas antes quis olhar de novo para Brunna. Ele se virou. Ela estava rindo. Mas então ela fez uma careta de brava e ele apertou o passo. “Mulheres, cheias de sortilégio”, pensou. Nosso guerreiro encontrou abrigo em uma floresta próxima onde ele passou a noite. Dormia tranquilamente até que uma folha de arvore caiu em seu nariz. Ele acordou de susto. Esfregou os olhos e viu que a noite ainda caminhava na completa escuridão. Quer dizer. Havia uma luz no meio das árvores. Fogo. E havia também muito barulho, gritaria e golpes de espada.

O exercito de Brunna havia sido emboscado, percebeu Edgard ao observar melhor a cena. “Onde está ela?”, pensou o nosso guerreiro. Tentando enxergar na escuridão encontrou em meio às sombras bruxuleantes Brunna sendo cercada por dois homens. Ela estava parada, imóvel, observando os dois. “Esse é o seu fim”, pode escutar Edgard. Os homens levantaram a espada, mas antes que qualquer golpe fosse dado Edgard estava lá. Aparou um dos golpes no seu escudo, golpeou o primeiro homem e o jogou no chão. Esperou o golpe do segundo, quando este veio ele aparou mais uma vez e golpeou. Mas para a sua surpresa o primeiro homem já havia se levantado. O golpe era certo. Porém, mais surpreendente ainda foi quando Brunna apareceu ao seu lado e golpeou o homem. Assim os dois se livraram dos perseguidores.

A emboscada havia sido superada e os prejuízos estavam sendo contabilizados. Um recado havia sido deixado. “Amanhã, em campo aberto, nossos exércitos decidirão esta guerra”.

- Você é um bom ajudante. Disse Brunna.
- Só um mero ajudante?
- Sim, você tem que treinar muito ainda para ser um guerreiro tão bom quanto eu sou. Você é confiante demais. É louco. Você tem um probleminha, sabe? Disse ela rindo e apontando para a cabeça dele.
- Mas se eu não estivesse por perto você morreria.
- Eu sou encantadora, não sou? Por isso você veio me ajudar.
- Maldito seja! Disse Edgard vermelho de raiva e entre os dentes contorcidos.
- Boa noite Edgard, o otimista. Disse ela rindo.
- Você precisa de minha ajuda?
- Amanhã? Talvez eu precise, talvez não.

Dessa vez foi Edgard que riu, mas de raiva. Foi dormir. No dia seguinte ele apareceu e lá estava Brunna contemplando o horizonte.

- O que propõe, oh ajudante? Perguntou Brunna ironicamente.
- Eu vou lutar ao seu lado. Enquanto eu recebo os golpes em meu escudo você golpeia o adversário.
- E como você pode ter certeza de que vai dar certo?
- Vai dar certo.
- Pode não dar.
- Mas deu certo ontem, talvez dê outra vez. Ao invés de discutirmos se dará certo ou não a gente deixa dúvida no ar. Aí nada será surpreendente e também nada será esperado, o que acontecer aconteceu. De acordo? Sugeriu Edgard. Brunna fez uma cara de deboche enquanto pensava por uns segundos.
- Tudo bem, vai ser desse jeito.
- Do nosso jeito, vamos para a batalha.

O exército adversário estava com sua parede de escudos formada. O exército de Brunna estava em menor número.

- Não venceremos, isso não vai dar certo. Disse a guerreira.
- Não sabemos ainda. Disse Edgard.

O exército de Brunna já estava formado e Edgard junto dela. A batalha aconteceria num grande campo aberto. O sol brilhava e os pássaros cantavam. Sobre uma colina, observando, estava o Cavaleiro Verde. Edgard o avistou. Logo depois ele se virou e foi embora. “Maldito, ele deveria estar cuidando de meu exército!”, pensou. Antes que ele pudesse pensar mais sobre o assunto uma trombeta soou e a batalha começou. Escudos contra escudos, espadas contra espadas e Edgard e Brunna juntos.

Como combinado Edgard aparou o primeiro golpe, que foi de um machado, e Brunna golpeou o adversário. O primeiro se foi. O segundo, munido de uma espada, tentou acertar Edgard na cabeça, mas ele levantou o escudo a tempo. Nossa guerreira lhe presenteou com um golpe afiado na barriga. Sangue jorrava, homens gritavam. E assim vieram muitos. Barrados por Edgard e golpeados por Brunna. Porém, eis que o calor da batalha dominou Edgard. Ele se sentia imbatível. Apertou com força o escudo contra o peito e a espada contra as mãos, partindo ele contra os adversários. Golpeou o primeiro, o segundo, o terceiro, mas no quarto ele se viu em dificuldades. O homem era muito maior que ele. Mas ele não desistiu. O golpe que o homem deu no escudo de Edgard foi tão forte que ele cambaleou para trás. Mas antes que ele fosse golpeado Brunna apareceu ao seu lado e golpeou o inimigo.

Ela o puxou para trás e o afastou da batalha. Olhou brava para ele.

- Você é louco? Só pode. Disse brava. Em seguida ela lhe deu uma bofetada no rosto.
- Isso doeu, mulher.
- Cale a boca! Esbravejou Brunna, e em seguida lhe beijou nos lábios.
- Mas como? Disse Edgard sem entender.
- É para a gente lutar juntos. Esse foi o combinado.
- Sim, precisei de você.
- E eu preciso de você. Me deixou sozinha.
- Isso não vai acontecer jamais. Eu defendo e você golpeia.

Assim eles voltaram para a batalha. O sangue ainda jorrava e os homens ainda berravam. Edgard defendia e Brunna atacava. Mas o exército inimigo ainda era muito maior e eles estavam perdendo.

- Não vamos conseguir. Disse Brunna.
- Ainda não acabou.

Ao dizer isso Edgard viu que o Cavaleiro Verde havia reaparecido na colina e atrás dele haviam homens. Muitos outros homens. Era o seu exército. O Cavaleiro Verde os liderou contra o exército inimigo que agora estava em menor número. A batalha foi vencida. Edgard e Brunna ficaram juntos. O otimista aprendeu a ser mais cauteloso, a pessimista aprendeu a confiar nas possibilidades. Eles se ajudavam. E assim o Cavaleiro Verde, a Esperança, voltou a vagar secretamente por entre os homens e as mulheres estendendo sua mão. 

E você, caro leitor, precisa de ajuda?

FIM
   
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domingo, janeiro 13, 2013


A POLÍTICA DA MENTE - Uma mente, apenas uma.

Havia um conflito em uma mente. Diariamente o Bem e o Mal travavam batalhas sangrentas com o objetivo de conquistar o reino da mente. Seu Rei, que há muitos anos governava sem manter o equilíbrio sempre pendendo para uma das vertentes políticas, estava saturado. Este Rei, chamado Ser, possuía o cargo vitalício, mas simbólico. A qualquer momento o Bem ou o Mal poderiam assumir o controle.
Dias de caos iam e vinham. Um dia tudo estava na mais completa paz e no outro na mais verdadeira confusão. Os súditos deste reino se sentiam chacoalhados, pois, sendo massa de manobra, tentavam ao máximo dar apoio a lógica estabelecida. Portanto, independente de como a situação estava a confusão era soberana. Ser já não sabia mais como lidar com o jogo político de Bem e Mal.
Vendo que o seu reino estava ficando cada vez mais abatido e cada vez menos saudável o Rei resolveu tomar uma atitude drástica. Foi estabelecida uma ditadura e o seu principal lema foi “ninguém se pronuncia, ninguém dá opinião, apenas faz o que deve fazer”. As sedes dos partidos do Bem e do Mal foram fechadas e todos os órgãos voltados para o conhecimento temporariamente suspensos.
Desta forma o Rei Ser conseguiu manter o equilíbrio por determinado tempo. Não havia mais conflitos, pois a única força política se concentrava no Rei, toda fonte de conhecimento vinha de sua natureza e assim nada podia ser contestado. Entretanto, a produção de conhecimento estava estagnada. Os ministérios do Raciocínio e da Imaginação perderam seus papéis na formação da sociedade do Reino da Mente.
Acontece que um clima de tensão começou a ameaçar a paz artificial deste reinado. Um grupo formado pelas classes populares estava insatisfeito com o estado em que as coisas estavam, ou seja, estagnado. Esse grupo ficou conhecido como Emocional e seus principais membros eram o Amor, a Fé, a Vontade e o Ego. Suas principais reivindicações eram que após o início da ditadura o reino havia se enfraquecido e se tornado passivo perante as ameaças externas. O Reino da Mente ficou com uma imagem fraca perante seus semelhantes já que tudo era gerado na natureza do Rei Ser. O Reino havia se tornado superficial e impulsivo, o que o deixara vulnerável de ser invadido e atacado. Havia se limitado em si próprio.
Num belo dia o grupo Emocional, sob a liderança da Vontade, reuniu todos os súditos para tomar o controle do Reino. Chegando a sala Real só havia uma coisa certa a ser feita, eliminar o Rei. Porém a Vontade pediu a palavra e disse: “Por muitos anos fomos governados pelo Rei Ser e sozinho ele teve de manter o equilíbrio da vida política no qual estamos inseridos. Se viu atormentado pelo caos da guerra e num último suspiro de esperança resolveu instalar a ditadura que, apesar de ter enfraquecido nossa honra cultural, conseguiu manter a paz. Seria uma brutalidade extrema destruir a figura política mais importante que já tivemos. Então eu proponho que a partir de hoje façamos um reino diferente. Nosso governo será guiado por um conselho formado por mim, pela Fé, pelo Amor, pelo Ego, por um representante do Bem e por um do Mal, e seu líder será o Rei Ser. Os ministérios do Raciocínio e da Imaginação serão reativados, bem como os demais partidos citados. A partir de hoje proponho que todos os assuntos referentes ao nosso Reino sejam discutidos em reunião, mas a decisão final sempre será do Rei. Este deverá ser aconselhado por nós.”. No fim destas palavras todos aplaudiram e se abraçaram. Assim o Conselho da Sabedoria foi criado e o Reino da Mente viveu para sempre em equilíbrio, mas não perfeitamente, pois nada é perfeito.

FIM

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quinta-feira, janeiro 03, 2013



Análise do álbum "Fluid Emotion", de João Carlos Furlani, por Lucas Nogueira Garcia:




Pretendo aqui explorar o universo e imaginário psicológico, emocional, racional e espiritual da obra Fluid Emotion. Furlani, o compositor em questão, demonstrou sua profunda e sublime compreensão da vida e do espírito humano ao embricar diversos símbolos e significações que despertam ao ouvinte os mais singelos sentimentos e sensações. Com um bom gosto refinadíssimo, sensibilidade afiada e altíssima musicalidade nosso compositor concebeu uma das mais belas viagens já elaboradas no universo da música Psicodélica/Progressiva/New Age, digna de um "The Wall" e "The Final Cut" do Pink Floyd ou, até mesmo, de um "Journey To The Centre To The Earth", "Beyond The Planets" e "Zodiaque" do mestre dos Synth, Rick Wakeman. A quem demonstrou não dever nada. Afirmo que Fluid Emotion está entre as grandes Óperas já elaboradas neste universo música e, em se tratando de filosofia, tão relevante quanto um "Dark Side of The Moon", do mesmo Pink Floyd, já que trata de assuntos delicados como a "guerra" e o "tempo", invade, sem pudor, a mente humana e mostra os seres humanos sob uma ótica espelhada. Assim eu convido os leitores a mergulhar junto comigo, e o Furlani, neste universo chamado Fluid Emotion. 

Análise

Na faixa "Sweet Dream" é esplendida a forma como ele conseguiu representar um sonho, ou até melhor, uma soneca hiper relaxante. É possível escutar a trilha sonora dos meus descansos mais tranquilos. É uma verdadeira viagem rumo a terra dos sonhos. Assim chegamos na idade das máquinas (Wake Up To The Age Machines), onde nosso viajante se depara com um universo completamente dominado pela maquinaria e pelos engenhos mecânicos. A princípio tudo é rústico. Entretanto, conforme ele mergulha nesse novo universo descobre que essas máquinas evoluíram, passaram a ter personalidade própria, a dominar e a raciocinar como faziam os seres humanos. A peça termina de uma forma inesperada com uma sonoridade que me remeteu a algo espiritual, como se as máquinas tivessem chegado a um tipo tão avançado de civilização que passaram a ter uma religião e um culto delas próprias. Algo como a "Força" em Star Wars, porém num universo robótico.




Então inciamos a jornada nebulosa (Nebulous Journey) ao mais profundo de nossas mentes. O viajante dos sonhos deixa a era das máquinas e vai se enfurnar dentro de si, dentro de seu subconsciente, no mais oculto e obscuro de sua existência. Essa canção eu tive o prazer de escutar de olhos fechados e usufruir de sua profundidade. É uma verdadeira aventura, tão boa quanto um "On The Run" (Dark Side Of The Moon - Pink Floyd). Como se não bastasse essa viagem inimaginável para dentro de seu psicológico o nosso viajante resolve desafiar o próprio tempo (Spending Time), aqui é onde as coisas tomam um aspecto de confusão, pois se o tempo está esmigalhado o que estava ali pode estar aqui e vice e versa. É um ciclo eterno, um relógio que nunca para, mas ao mesmo tempo não vai pra frente nem vai para trás. As horas dançam em redemunho como folhas secas num parque de outono.




O medo ( Fear of Contact) é aquilo que justifica a razão do homem, segundo Nietzsche, é o que faz a razão do homem trabalhar em busca das respostas para seus problemas. Atmosfera linda a dessa música, apesar do tema! Essa faixa prepara o terreno para algo que eu considerei bem coerente, um outro planeta, uma outra vida, o que me soou bem primitivo (Another Planet, Another Life). Após ter contato com um futuro muito distante e conhecer a era das máquinas agora ele se defronta com a origem da humanidade. Me lembrei da primeira sequencia do filme "2001 - A Space Odissey" de Stanley Kubrick, o surgimento da razão nos homens primitivos. O contato com o medo (o monolito do filme) gerou essa razão nos primeiros homens. O que era uma vida primitiva se encerra num TURBILHÃO, produto da razão e culmina nas explosões e o fim de tudo, também produto da razão do homem. A razão protege e destrói. Cria as leis, cria as guerras.



Não satisfeito em explorar a mente do homem, os sonhos, viajar no tempo e tudo mais ele começa a fazer viagens em diferentes escalas do espaço. Em presença hostil (Hostile Presence) ele assume a forma microscópica e conhece a pior das presenças imperceptíveis, a doença, o vírus, as bactérias. Algo sutil, que parece inofensivo, bobo, mas destrói, corrói, morde, arranca pedaço e traz sofrimento. Em certo momento é possível escutar uma bomba explodindo e pessoas gritando, essa é a pior das doenças, a ganância, a loucura, a vontade de querer ser melhor que o outro o subjugando. Então vem a carnificina da guerra (The War Carnage), o desespero comovente das pessoas gritando, doença do homem, produto da razão. Essa foi uma das músicas mais bonitas que eu já escutei! Depois da guerra, da matança desenfreada e das loucuras da ganância nosso viajante se depara com um clima de incompreensão (Ashes, Defeat and Disconsolation). É possível notar as pessoas buscando um sentido para tamanhas atrocidades, desde o mais inocente até o general mais megalomaníaco. Pairam no ar interrogações, formadas pelas próprias cinzas e nuvens de fumaça. É como se a Lagarta de Alice no País das Maravilhas estivesse lançando suas questões psicodélicas no ar. O ser humano chega a loucura de destruir tudo e se arrepender amargamente. Só que isso é um ciclo. O homem faz a guerra, cria acordos de paz, guerreia novamente e nunca está satisfeito. Nunca sacia sua fome, sua ânsia, seus desejos macabros. É como a cena final de "O Planeta dos Macacos", filme de 1968 do diretor Franklin Schaffner, onde o Astronauta Taylor esbraveja, batendo com os punhos cerrados nas areias da praia diante de uma Estátua da Liberdade milenar e destruída, "Seus malditos, vocês conseguiram, destruíram tudo, acabaram com tudo, tudo pela ganância! E de que valeu?" A questão que eu lanço: Será que isso não é ser normal? Talvez todas as formas de vida inteligente tenham uma ganância inata. 



Então ele retorna a sua jornada nebulosa (Nebulous Journey, The Return), olha para dentro de si próprio e se pergunta "será que o que eu acho que é a minha forma de pensar não é a forma que foi me imposta durante a vida?". É o ocultismo, é a filosofia. Nosso viajante olha para dentro de si próprio buscando as respostas. Respostas que são dele, e de mais ninguém. Respostas que vem única e tão somente do ser espiritual dele. E é aqui, Ah, mas é aqui que ele descobre o segredo da vida, o segredo da existência, o segredo do Universo. Tudo está dentro dele, tudo se faz nele, pois Deus está nele como uma força vital. Ele descobre que não há sonho mais doce que estar em casa (Sweet Dream Is To Be Home), dentro de si próprio, em comunhão consigo próprio. Autoconhecimento! Não é preciso dizer mais nada! Que assim seja! "Conheça-te a ti mesmo e desvendarás os mistérios do Universo" (Oráculo de Delfos).



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