terça-feira, abril 30, 2013


O MUNDO NOVO

No princípio tudo era um grande vazio. O “nada” era tão predominante que causava inveja aos grandes desertos e as mais profundas fossas abissais do leito oceânico. Não havia pobreza, pois até para haver isso era necessário haver “algo”. Contudo, todo esse vácuo espiritual, ainda assim, tinha seu lado aproveitável. A tela branca.

A descoberta da aquarela é um acontecimento sem par. É como ter acesso a todas as possibilidades, todos os caminhos, todas as experiências. É um multicolorido de abstrações prováveis. É um cometa que viaja pelo universo contemplando o brilho de todas as estrelas ao mesmo tempo. É também a criança que pula na poça de lama. E em toda essa embriaguês há de ter uma grande consequência. E há.

O choque elétrico faz reverberar dos nervos aos ossos, e quanto mais se avança maior é a intensidade com que a energia frita e torra a carne. Nesse belo quadro não há formas definidas. O que há é um grande emaranhado de filetes tingidos das mais impensáveis cores. E esse caos, eternizado na tela, vai se sobrepondo até o dia em que se há o costume. Tudo é um caos, a ordem floresce do costume a ele. Nada se perde tudo se transforma. A ordem se sobrepõe ao caos em uma simbiose, mas ambos sempre estarão ali como entidades de personalidade própria, distintas.

Passado o baque dos descobrimentos entram em cena as ideias independentes. Tudo é questionamento. Nada faz sentido. E quando faz é verdade absoluta. Esse é o espírito jovem, feroz, ávido por descobertas. Entretanto, cada novidade defronta-se com o bruto preconceito. É a vontade de se autoafirmar. É quando é preciso ter razão. Mas aí o aparente baluarte se revela o mais frágil castelo de cartas. Tudo é desabamento. Tudo é pranto. Os escombros se espalham por toda parte. Tudo é feio. Tudo é desprezível. O ódio se acentua. O caos retorna.

Mas os anjos existem? Sim, eles estão ao nosso lado todos os dias. Pobre de quem não os reconhece. Sua luz nos mostra o caminho onde não há indiferença, cinismo, hipocrisia, idiotice, bestialidade e ignorância. O sorriso volta ao rosto sem que se perceba. Uma alegria toma conta e com o peito queimando de entusiasmo limpa-se tudo que não presta e é prejudicial. Vai tudo para a vala. Toda erva daninha é cortada. O jardim finalmente está belo e repleto de flores, todas selecionadas. Esplendorosas borboletas trazem consigo um colorido harmônico.

Depois de tantas mãos de tinta, depois de se esgotar e levar a exaustão a pobre aquarela, pode-se vislumbrar a tão esperada paisagem. No início tudo era o vazio, depois tudo era o caos. Dele nasceram os primeiros esboços do bem-estar. E quando as coisas pareciam se encaminhar para uma conclusão satisfatória o mundo mergulhou na obscuridade. E tudo isso se mostrou necessário. Afinal, é possível pintar um quadro sem que haja sombras? É o contraste do claro-escuro que faz uma obra ganhar vida. Luz e sombra. É o incremento que faltava. Assim como que para haver “algo” é necessário que haja “nada” também deve existir tristeza para que saibamos o real valor da alegria.

O mundo novo surgiu. E como o sol que nasce no leste ele emergiu de todas essas sobreposições, de todo esse colorido. Nada se perde tudo se transforma. Não se escondem as imagens, elas apenas se sobrepõem. E no fim algo novo e original aparece. Agora esse mundo é uma obra-prima. Contrastes. Imperfeições. Imprecisões. Como é admirável. É belo, mas feio. É harmônico, mas caótico. E quando eu cultivo o jardim só planto as flores selecionadas. Sou indiferente ao que não me serve. O lugar da flor estragada é na fossa, os anjos sabem bem!

FIM

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