Entardecer
Que belo dia! Nada como ser despertado pela
brisa da manhã. Nada como ser despertado pela mulher amada...
Que delícia de café! Ainda mais se estiver
bem forte. Doce e amargo. Mais amargo que doce. Nada de leite...
A cabeça ainda está tonta, é hora de respirar
fundo. O que me espera pela frente?
Um banho para ressuscitar! Roupas limpas,
perfume. Escova de dente, sim! Olá, eu do espelho! Certo. Adeus, eu do espelho!
Rua!
Rua? Nem sempre. Posso estar realizando
coisas tanto em casa quanto fora dela. Um texto para estudar. Arrumar a casa!
Minha terapia!
É tão bom olhar a casa arrumadinha e saber
que foi obra sua. Sem esperar nada em troca, nunca! Jamais me sinto cansado por
deixá-la assim.
Hora do almoço. Não gosto do meio dia. Alimentação
rápida e forçada. É a ilusão da boa refeição.
Seguem-se horas de angústia. Suor, má
digestão. O dia está amarelo. Olá, você aceita um café?
Geralmente é nessas horas que as pessoas
pensam em tirar uma soneca. Eu resisto. Não gosto de perder essa hora do dia,
apesar de não admirá-la.
Por quê? É a transformação! Os dias são como as
borboletas, nascem preguiçosas, atingem seu esplendor dourado e depois
adormecem na escuridão para sempre!
Pera aí, eu disse “esplendor dourado”? Sim!
Quatro e Cinco Horas da tarde! Não existem horas mais belas que essas.
A lagarta que despertou ao amanhecer e foi
para o casulo ao meio dia atingiu o seu esplendor dourado. Que belas borboletas
são as Quatro e Cinco Horas!
O mais belo dos casais em nosso Universo! A
bela e mais preparada donzela, Quatro Horas, caminha de encontro ao seu
guerreiro, Cinco Horas, aquele que vai desbravar a noite!
É bonito ver o sol poente refletindo nas
pessoas. Todas são bonitas. Sua luz na vidraçaria dos prédios nos dá a
impressão de estar na terra do ouro!
Aqui eu paro e reflito. Lembro-me de tudo o
que fiz até então. É o momento sagrado para filosofar.
Sagrado! É o sublime!
O calor se foi, pois todo elemento preparado
no fogo precisa depois ser resfriado! Nossa alma é forjada diariamente!
Depois de olharmos para trás, sem esmorecer, é
hora de deixar o Leste. Agora nossa bússola aponta para o Oeste.
Olá, noite! Quantos mistérios você nos traz.
Perigosa, silenciosa, calma... Sim, é sempre possível torná-la barulhenta e
inquieta, mas sua essência será sempre misteriosa.
Nós damos as noites momentos de agitação, mas
a noite como noite será sempre enigmática.
Estamos sempre preparados. É claro, os
amantes da tarde sempre estão.
Viver só da noite é pedir para despencar de
grandes alturas. Tu conheces uma borboleta que já nasceu borboleta?
Assim, também, quem vive só das manhãs será
rastejante para a eternidade! É necessário encarar as horas de dureza pós meio
dia. É necessário entrar no casulo. É necessário sofrer. A transformação vem
das dores. As cicatrizes só surgem dos ferimentos.
Uma alma calejada adquire sabedoria. Somos
forjados todos os dias. Essa busca é eterna. Tolo é aquele que pensa que já atingiu
a excelência!
Eu não durmo nas horas do casulo, lembras? Fazer
isso é pedir para ser solto num covil de cobras. E pior que isso, enfrentá-las
na calada da noite.
Na ultima vez que eu dormi a tarde meu dia
terminou péssimo, pois eu voltei a ser um lagarto, voltei a sentir tonteiras,
morri mais uma vez. Para este tipo de sono, o vespertino, não há banho que
ressuscite, não há café que sirva. Não há lagarto que vire borboleta sem antes
passar pelo casulo.
Só há duas brisas durante todo o dia. A que
te desperta e a que te transforma. Uma Hora, Duas Horas e Três horas são
aqueles professores chatos que você só dá valor no futuro.
Mas são eles que te preparam para o desfrute
mais romântico das Quatro e Cinco Horas. O ápice!
Como o meu coração se aperta de alegria nesse
momento! Só eu e a natureza. Criação e criatura. Encontro sagrado!
Independente de como foram as manhãs ou como
serão as noites um dia só termina bem com o bom proveito do entardecer, do
início ao fim.
Gostaria que as minhas tardes não se
passassem chacoalhadas dentro de um ônibus. É mais fácil ser tolo.
Os homens optaram por transformar o nascimento
e o sagrado em momentos de estresse.
Você acorda correndo, aborrecido, vai para o
trabalho com a cabeça girando, almoça sem respirar, passa mal e sente sono na
hora da transformação, e no momento mais belo você está voltando para casa sem
olhar a natureza a sua volta. De noite você não é ninguém. E a cada dia você
desperta menos de você mesmo e mais do sistema. E assim se procede até que um
dia sua borboleta interior não despertará mais. Estará morta. E você será uma
pessoa vazia. Mero invólucro carnal.
A questão é: Isso te importa?
As manhãs ainda existem, o meio dia ainda
existe, a hora de se transformar também, mas o fim de tarde está morrendo.
Morrendo? Morrendo para nós, humanos. Somos
seres da natureza, mas vivemos apenas no universo da lógica. Quem não conhece
os procedimentos naturais do dia jamais conhecerá as belezas das Quatro e Cinco
Horas.
Pior. Será engolido pela noite e por seus
vícios. Perderá sua força vital. Será caído. Só encontrará tristeza e angústia.
Salvem-se quem puder!
FIM!
Se gostou me segue!