terça-feira, janeiro 10, 2012

O LEGADO DE JOHANNES KEPLER: O Defensor Da Ciência Empírica.

Em tempos de descobertas espaciais de novas estrelas, galáxias e planetas, através da sonda espacial “Kepler”, nada mais justo do que fazer uma homenagem a este astrônomo que faria 440 anos no último dia 27 de Dezembro de 2011.


Para um homem do século XXI, observar o cosmos já não consiste em uma tarefa tão difícil. Com muitos séculos de observação astronômica acumulada a humanidade já avançou muito nas descobertas dos mistérios que regem o universo. Difícil é entender como as pessoas do passado enxergavam o céu. Entender como os homens de séculos atrás de nós, compreendiam o espaço ao seu redor. Quais eram as concepções de universo dos estudiosos, e em que isso implicava na vida deles e de seus contemporâneos. Devemos lembrar que os homens daquele período nem sempre podiam se aventurar com a devida liberdade pelos mistérios da natureza, por motivos de força maior. O conhecimento científico, na verdade, o conhecimento como um todo não possuía a completa autonomia para se desenvolver e para questionar “a verdade científica da época”. É, portanto, necessário haver coragem para ir de encontro às concepções religiosas de seu tempo, sabendo que terá de enfrentar a fúria da mesma e possivelmente sofrer as conseqüências de tal coragem. É preciso ter bravura e confiança para questionar o que a ciência de seu tempo diz ser o certo, mostrando ao mundo novas formas de enxergar as coisas, seja pelos cálculos e os fenômenos da natureza, ou pela análise dos fenômenos históricos e sociais. Poucas pessoas na história da humanidade tiveram essa disposição. Para ser sincero, poucos foram aqueles que buscaram entender o mundo e o universo de fato. Utilizar o conhecimento de verdade, não somente como um meio de trabalho, com obrigações e compromissos. Uma investigação de fato, por puro prazer e vontade de se aprofundar nos mistérios da vida e da natureza. Mas de séculos em séculos, somos presenteados com almas assim. Uma dessas almas sem dúvida foi Johannes Kepler.

A Noite de São Bartolomeu 
Nascido em Weil der Stadt (sul da atual Alemanha, na época Sacro Império), no dia 27 de Dezembro do ano de 1571, Kepler era filho de Heinrich Kepler (um ex-soldado) e Katharina Guldenmann Kepler, uma família protestante. Era neto de Sebald Kepler, também protestante, que foi prefeito da cidade mesmo esta sendo católica. Nasceu em um contexto de conflitos político-religiosos (Reforma Protestante e Contra-Reforma) que assolavam toda a Europa. O questionamento dos assuntos religiosos pelo meio da ciência assombrava Católicos e Protestantes, que temiam perder seus fiéis, e assim suas influências. As fundações do meio religioso estavam fortemente abaladas e a estrutura vibrava com uma intensidade similar aos abalos sísmicos, que geravam ondas de violência caracterizando, portanto, um cenário de terror. E assim, o conhecimento científico representava uma grande ameaça à ordem estabelecida. As descobertas da ciência poderiam jogar por terra todas as crenças acerca do mundo e do cosmos, fazendo ruir de vez as edificações religiosas. Nesse contexto Kepler viveu, estudou, observou, teorizou, provou e revelou.

Sua família, devido aos poucos recursos, o enviou ao seminário para os estudos. Foi aprovado para estudar Teologia na Universidade de Tünbingen em setembro de 1588 (aos 17 anos), onde iniciou somente em 17 de setembro de 1589. Completou os estudos em Artes, incluindo grego, hebraico, física e astronomia em 10 de agosto de 1591, sendo aprovado no mestrado. Nesta época Kepler já havia tido contato com os textos de Nicolau Copérnico (1473-1543).

Nicolau Copérnico e a Teoria Heliocêntrica
Nicolau Copérnico, clérigo da Igreja Católica, foi um astrônomo polonês que rompeu com o conhecimento estabelecido desde o século primeiro que dizia que a Terra era o centro do Universo. Esta idéia foi difundida pelos escritos de Cláudio Ptolemeu (90-168) na obra “Almagesto”, uma síntese dos trabalhos anteriores de Aristóteles, Hiparco, Posidônio e muitos outros, focado em demonstrar e estabelecer o modelo geocêntrico de Universo. Por motivos estético-filosóficos, Copérnico viu no modelo geocêntrico, vários fatores que não faziam sentido. O principal deles era o movimento desferido pelos corpos celestes. A teoria que dizia que a Terra era o centro do Universo, estabeleceu que os planetas e o sol desferiam epiciclos ao redor do nosso planeta. Aos olhos de Copérnico isso não era belo. Foi aí que ele resolveu modificar o sistema. No centro do modelo ele colocou o Sol, o maior elemento presente no céu, e os demais planetas, inclusive a Terra, o orbitando. Foi então que Copérnico elaborou uma das teorias mais importantes da história da ciência, ao ponto de ser concebida como o ponto de partida da ciência moderna. Ao colocar o sol no centro ele percebeu que os planetas que completavam suas órbitas no céu mais rápido, automaticamente ficavam mais próximos do Sol, como Mercúrio e Vênus, assim como os planetas que realizavam seus movimentos com um tempo maior ficavam mais afastados. Foi como mágica! Estava fundada a teoria heliocêntrica.

Um planeta descrevendo epiciclos
Porém, Copérnico sabia que tais teorias poderiam vir a lhe trazer malefícios, sendo ele do meio religioso. Sabendo disso, só veio a publicar suas descobertas no leito de morte. Foi então que o mundo conheceu a obra “Das Revoluções das Órbitas Celestiais”, que dizia que o sol era o centro e não a Terra. E nesta obra Copérnico determinou: “Não há conexão mais perfeita entre o tamanho da órbita e a sua duração.” Ou seja, quanto mais um planeta é afastado de sua estrela (no nosso caso o sol), maior será a duração de sua volta ao redor. Talvez, esta tenha sido a primeira vez em que o homem olhou para o céu e percebeu que não era ele (o céu) que se movia, e sim a terra que se movimentava. Copérnico também foi o responsável por estabelecer que a Terra descrevia um giro ao redor de seu próprio eixo a cada vinte e quatro horas. Inspirado nestas descobertas Kepler veio a fundamentar novas idéias acerca do que víamos da Terra. Entretanto, ainda era necessário romper com alguns conceitos filosóficos que perduravam desde a Grécia Antiga.

Mistérios do Universo
Naquela época não havia distinção entre alguns ramos do conhecimento. E em 1594, Kepler é convidado a ser matemático em Graz, na Áustria, onde além de astrônomo e matemático, ele era astrólogo. Era responsável por prever boas colheitas, dias de bonança, de guerra, prever epidemias, dentre muitas outras coisas. Essa ausência de elementos que distinguissem Astronomia de Astrologia, se deveu ao fato do pouco conhecimento científico se comparado com os dias de hoje. Muitos dos fenômenos vistos da Terra eram interpretados como presságios enviados do plano divino. O céu era um mistério absoluto para os homens do início da Idade Moderna, que começavam aos poucos desvendar os enigmas do Universo e compreender um pouco mais da mecânica espacial. No ano de 1597, Kepler publicou sua primeira obra, que se chamava “Mistérios do Universo”, onde ele se mostrou um defensor da teoria Copernicana heliocêntrica, propondo novas formas de medir as órbitas planetárias com formas geométricas. Enviou, então, um exemplar ao astrônomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601), que desacreditava a teoria heliocêntrica de Copérnico por motivos teológicos. Um mesmo exemplar foi enviado a Galileu Galilei (1564-1642), que respondeu em uma carta agradecendo-o. Brahe, apesar de ser defensor do geocentrismo, ficou empolgado com as proposições da obra de Kepler, e em 1600 o apresentou ao imperador Rudolph II da Boêmia (1552-1616) , que o contratou como assistente de Brahe. Por ironia do destino, em 1601 Brahe faleceu, e Kepler herdou todos os seus estudos e o seu cargo como matemático oficial da corte.

Astronomia Nova

Talvez este tenha sido o maior dos presentes na vida científica de Kepler, pois a partir de então ficaram a disposição dele inúmeros relatórios de 20 anos de observação astronômica. A mais completa das análises, era em relação à órbita de Marte. Descobriu ter em mãos análises de precisões nunca antes atingidas. Contudo, ao tentar aplicar os cálculos às órbitas registradas por Brahe, Kepler viu que os números não batiam. O modelo circular aristotélico era impreciso. Essa concepção de mecânica celeste circular era uma idéia proposta no tempo dos gregos, que diziam que os corpos celestes só poderiam se movimentar na mais perfeita das formas, o círculo, que com certeza era uma criação divina. Kepler sabia da importância dos estudos Brahe, e de seus registros. O problema então deveria estar na geometria celeste. Buscou, portanto, primeiro compreender a órbita desferida pela Terra, se é que esta orbitava mesmo o Sol. Foi então que ele fez uma descoberta revolucionária. Percebeu que a Terra descrevia um movimento similar a um círculo, ficando o sol descentralizado. O que acontecia, era que a Terra e os demais planetas do sistema solar orbitavam o sol em elipses bifocais, com o sol em um dos focos. (Abaixo um exemplo de elipse bifocal, com o sol representado em um dos focos.) Os cálculos se encaixaram. Em 1609, publicou a obra “Astronomia Nova”, onde determinou duas das primeiras de suas leis.


O Sol em dos focos da elipse desferida pela órbita do planeta 

A primeira Lei de Kepler (lei das órbitas elípticas) diz: “os planetas movem-se em órbitas elípticas ocupando o Sol um dos seus focos.” Veja como o sol está em um dos focos da orbita elíptica de um planeta qualquer.


A segunda Lei de Kepler (lei das áreas): Percebeu nosso astrônomo alemão que o movimento dos planetas ao redor de uma estrela não era uniforme. Ao estar mais afastado da estrela no movimento orbital (Afélio), um planeta qualquer se movimenta mais de devagar, e ao estar mais próximo (Periélio), se movimenta mais rápido. Kepler foi o primeiro a tropeçar, no que meio século mais tarde Isaac Newton  (1643-1727) revelou ao mundo ser gravidade. Para falar a verdade, Newton se fundamentou nas Leis de Kepler para formular as leis da Gravidade Universal. É algo que nunca saberemos com toda certeza, mas fica evidente que a existência de Kepler e a formulação de suas idéias 50 anos antes, foram de extrema importância para o que Newton viria a descobrir depois. A ciência agradece! Baseado nestas observações Kepler determinou: "A linha que liga o planeta ao Sol varre áreas iguais em tempos iguais." Como estará exposto na imagem, o que Kepler disse foi que dependendo da distância que um planeta estiver de uma estrela ele se movimento mais ou menos rápido. Imaginemos o A1 e o A2 na figura, dois cones no qual respectivamente denominarei Cone 1 e Cone 2. A linha que liga o sol ao ponto inferior do Cone 1 é um raio. Este é um ponto de partida. Imaginemos agora que como um relógio este raio se movimenta. Se contarmos X de tempo, a distância percorrida na elipse será aquela da figura A1 ou Cone 1. 

Duas posições de um planeta (Afélio e Periélio)
Note que produziu um Cone mais largo que o Cone 2 ou A2. Ou seja, por estar mais próximo do Sol (Periélio), Cone 1 ou A1 percorre um arco ou cone mais largo em relação ao Cone 2. E se fizéssemos a mesma experiência com A2 ou Cone 2, com o mesmo X de tempo, o cone produzido seria aquele da figura, mais fino, por estar mais afastado do sol (Afélio). Porém, apesar de mais largo, A1 ou Cone 1 é um cone mais curto em relação a A2 ou Cone 2 que é menos largo e mais comprido. Logo, se mais próximo do sol ou uma estrela qualquer, produz um cone mais largo e curto, e se afastado mais fino e comprido com o mesmo X de tempo de movimento. Segundo os cálculos de Kepler, os dois cones possuem áreas iguais, com a diferença que Cone 1 é largo e curto e Cone 2 fino e comprido. E ainda segundo ele, independente de que ponto esteja na órbita da elipse um planeta, a área será sempre a mesma, dependendo da proximidade ou não do Sol, que influência em sua velocidade. Eu vou chamar esta área de Y. Em síntese, se um planeta percorre um determinado trajeto da órbita, com um tempo X, ele sempre produzirá a mesma área Y, sendo o Sol o elemento que influência a variação da velocidade. X de tempo produz Y de área em uma órbita sempre, independente da posição. Repito aqui a frase de Kepler de sua segunda Lei: "A linha que liga o planeta ao Sol varre áreas iguais em tempos iguais". Parece perfeito! Devido a isso Kepler chegou a afirmar: “Os céus contemplam a glória de Deus." Mas o porquê desta “perfeição” só foi esclarecido no início do século XX por Albert Einstein em sua Teoria da Relatividade Geral.

Sistema Solar eliptico
Ao analisar esta descoberta Kepler percebeu que Sol influenciava diretamente na mecânica planetária. Tentou relacionar a variação de velocidade e as diferentes distâncias de um planeta e outro, e concebeu que por de trás disto tudo um mesmo elemento, força, ou seja lá o que for deveria ser o responsável pelo fenômeno. Coisa que ele nunca descobriu. Mas o leitor já deve ter percebido até aqui o quão importante sua obra foi. Porém, Kepler, infelizmente, parece às vezes esquecido. Mas em minha humilde concepção, ele foi tão gênio quanto os outros. É um erro tratá-lo com mais um. Graças a Kepler, pela primeira vez na história, a teoria heliocêntrica ganhava bases e argumentos empíricos. Como veremos na terceira Lei, era possível prever com grande precisão as órbitas dos planetas de forma inédita até então. Kepler foi um grande herói, tendo em vida revelado a humanidade, e com argumentos matemáticos (campo que foi mais desenvolvido por Isaac Newton, quando este inventou o Cálculo) o heliocentrismo.

Harmonia dos Mundos
A terceira Lei de Kepler (lei dos tempos), publicada na obra “Harmonia dos Mundos”: "Os quadrados dos períodos de translação dos planetas são proporcionais aos cubos das suas distâncias médias ao Sol." Esta lei indica que existe uma relação entre a distância do planeta e o tempo que ele demorará a completar uma revolução em torno do Sol. Portanto, quanto mais distante estiver do Sol mais tempo levará para completar sua volta em torno desta estrela. Em síntese, k é uma constante igual para todos os planetas do Sistema Solar, T o período orbital e D o semi-eixo maior da órbita do planeta (distância que o planeta fica mais afastado do sol em sua órbita). Se utilizarmos o período em anos e a distância em unidades astronômicas o valor da constante é 1. A equação seria T² sobre D³ = k. A 3.ª Lei de Kepler viria mais tarde a ser generalizada por Newton de uma forma que permite aplicá-la a quaisquer corpos em movimento orbital em torno um do outro, desde planetas, a estrelas duplas, a galáxias, etc.

Equação da Terceira Lei de Kepler
Talvez, como disse, nunca saberemos, se Kepler não tivesse existido, muito dos mistérios do espaço ainda seriam mistérios. Isaac Newton delcarou: "Se enxerguei longe, foi porque me apoiei nos ombros de gigantes". Era uma clara referência a Nicolau Copérnico, Johannes Kepler e Galileu Galilei. Kepler revelou ao mundo as leis que demonstravam de forma empírica que o Sol era centro de nosso espaço conhecido até então. Kepler foi sem sombra de dúvidas uma das mentes mais importantes da história da humanidade. Não só pelo fato de ter feito descobertas importantes, mas pelo fato de ter se proposto a isso, de ter questionado as concepções impostas tanto pela ciência quanto pelos religiosos de sua época. A sua coragem possibilitou aos homens darem mais um passo rumo à evolução da ciência. Porém, a meu ver, o que é mais importante é que Johannes Kepler foi um ser humano como eu você, como Isaac Newton e Karl Marx que se permitiu pensar o mundo e o Universo. Tentou entender os mecanismos que regem a natureza e o cosmos, assim como Marx buscou entender o funcionamento da sociedade. Isso é o mais importante! 

Johannes Kepler
Foram pessoas que utilizaram suas mentes não por algo pessoal, mais para compreender a realidade em que vivemos, buscando sempre um objetivo final que é o bem de todos. Independente da crença religiosa ou concepção filosófica de cada um foram pessoas que se dedicaram em compreender o passado, o presente e futuro. Independente se era físico ou historiador, foram seres humanos que buscaram conectar os pontos e entender quem somos, de onde viemos e para onde vamos. Disse Johannes Kepler: "Quanto mais o homem avança na penetração dos segredos da natureza, melhor se desvenda a universalidade do plano eterno. [...] Não nos perguntamos qual o propósito útil dos pássaros cantarem, pois o canto é o seu prazer, uma vez que foram criados para cantar. Similarmente, não devemos perguntar por que a mente humana se inquieta com a extensão dos segredos dos céus… A diversidade do fenômeno da Natureza é tão vasta e os tesouros escondidos nos céus tão ricos, precisamente para que a mente humana nunca tenha falta de alimento."

REFERÊNCIAS - Para saber mais de Astronomia e de Astrônomos recomendo estas fontes:
http://www.dannybia.com/danny/pens/johannes_kepler.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Johannes_Kepler
http://pt.wikipedia.org/wiki/Leis_de_Kepler
http://www.infoescola.com/astronomia/johannes-kepler/
http://pt.wikipedia.org/wiki/Tycho_Brahe
http://www.ccvalg.pt/astronomia/historia/johannes_kepler.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Nicolau_Cop%C3%A9rnico
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ptolemeu

Vídeos:
O Universo Além do Big Bang - http://www.youtube.com/watch?v=MLIGSOrQKEY
Mentes Brilhantes - http://www.youtube.com/watch?v=xxFXdMuqbMA (parte 1) ; http://www.youtube.com/watch?v=bgtdfI0jsi4&feature=related (parte 2) ; 
http://www.youtube.com/watch?v=QBZKMuWp_es&feature=related (parte 3) ; http://www.youtube.com/watch?v=u9Ohi-rEqzo&feature=related (parte 4) ; http://www.youtube.com/watch?v=R48_Dm6MYxE&feature=related (parte 5).



OBRIGADO PELA LEITURA! SE GOSTOU ME SIGA.

LUCAS NOGUEIRA GARCIA