domingo, outubro 20, 2013

UM OFÍCIO



As calçadas, a sola do sapato. 
As pistas, o carburador. 
Os pensamentos, a pasta de trabalho.
O suor, o terno e a gravata.
A caneta, o contrato.
O telefonema, a proposta.
O aperto de mão, o sorriso estampado.
Argumento, argumento, argumento, convencimento.
Eis o dia de um vendedor de consórcios.

(Lucas Nogueira Garcia)

Uma homenagem ao meu pai. 

terça-feira, outubro 08, 2013

Caminhos tortuosos, becos sem saída, caminhando contra o vento, nadando contra maré, mas sempre tentando...


Ando, ando, tropeço, levanto, ando, tropeço, levanto, ando... Ciclo interminável. Que capacidade de se auto regenerar! Mas até quando toda essa magia vai durar? Até quando a chama vai continuar brilhando? E se nunca houve chama, apenas um ente insistente? O que vai ser dessa vela? Um dia essa cera há de se esgotar. E não é por falta de tentativa... Há quem não está interessado, mas, mesmo não desejando, a sorte procura. Aquele que mais precisa é ignorado, recebe pedras como alimento. E quando está por perto está distante de tudo, pois não há verdade nos relacionamentos. Sorrisos protocolares. Ando, participo, jogo o jogo, tropeço, sinto as dores, levanto... já não há mais ossos na face para serem destroçados. É alucinógeno. A música que toca é alegre, mas a poesia vem do subsolo... A porta está trancada.


FIM... ou não.

terça-feira, setembro 17, 2013

Milhões de Frequências – Entrevista coletiva comigo mesmo.



Minha mente é como um rádio que toca milhões de frequências simultaneamente. Acho que ainda não descobriram o nome científico do meu estado psíquico. Bipolarismo? Longe disso. Loucura? A preguiça de realizar um exame mais detalhado. Ora, eu nunca pensei em suicídio. Faço tudo que um ser humano normal faz. Cá estou eu, saudável, vivo, firme, teimoso, impreciso, indeciso, apaixonado. Acho graça em tudo. Tudo aos meus olhos é digno de atenção, e na maioria das vezes de “mostrar as canjicas”. Eu acho que as pessoas perdem muito tempo julgando e calculando os riscos. É uma desconfiança patológica, um medo paranoico. E com isso o momento se perde, se esvai, fica na lembrança, morre de remorso. Doença! Se isso é bom? Considero-me privilegiado. Ver o mundo de maneira multicolorida não é pra qualquer um. Engana-se quem pensa que isso é fugir dos problemas, ou não vê-los. Isso é uma opção. Tenho consciência das dificuldades, porém deixar se abater por isso é opcional. É claro, nem sempre isso é realizável, mas eu tento.



Às vezes pareço contraditório? Não, eu sou contraditório. Todo mundo é. A diferença é que eu tenho coragem de dizer o que me vêm na cabeça. A grande verdade é que as pessoas não se compreendem. Interpretações são interpretações, e interpretações das interpretações são interpretações das interpretações, a tendência é só piorar. É o grande e desgraçado telefone sem fio. A distorção já começa quando as ideias saem da cabeça e se verbalizam através das palavras ditas. Quem me dera se as palavras fossem suficientes para materializar meus mais longínquos pensamentos. É mais que uma Via Láctea inteira. Se eu já omiti algo? É claro, faço isso o tempo todo. Infelizmente é necessário escolher as pessoas com que se pode ou não conversar. É primordial selecionar aqueles a quem você submeterá suas interpretações para que estes as interpretem. Aqui a frase de Jesus faz muito sentido: “Não dará pérolas aos porcos” (Mateus 7: 6). Essa é a diferença entre ver o mundo de maneira positiva e ser feito de bobo. Entendeu? Ninguém está preocupado em te compreender, ou entender o seu lado. A não ser que esse alguém seja uma pessoa que realmente se importa contigo. Mas até mesmo as pessoas mais superficiais merecem ser ouvidas. De tudo da para se tirar um proveito. É da serpente mais venenosa que se extrai o antídoto do veneno.




Por que não viver tanto o amanhã? Digo-lhe, faça o que tem que fazer, cumpra as suas tarefas, lute pelos seus objetivos, mas não se torne um escravo. Não se submeta. A vida acontece no presente. Faça o caminho ser o próprio prazer da coisa. Obrigações? Tudo bem, é difícil fugir delas no atual estado de coisas. Pois bem, não sofra por elas. Apenas faça o possível. Não se agrida. Faça o que for capaz de fazer, mas faça com paixão. Que seja com amor, que seja de coração. Mas faça, nunca sofra. A sociedade quer te ver sofrendo, agonizando. É assustador alguém que sabe viver desprendido, com as rédeas da própria vida. “É loucura, é descompromisso, é desregramento, é rebeldia...”. Não! É saber viver sem ser alienado. Dói? Sim, eu sei. Incomoda? Sim, eu sei. É tudo o que você gostaria de fazer e não consegue? Sim, eu sei. Por isso eu considero pessoas com alma de artista e espírito livre os verdadeiros heróis. É um ato de coragem viver assim. Tem que bater no peito e levantar a cabeça. Tem que “rir da cara do perigo”. É zombar da ordem. É se desprender dos padrões. É rir de tudo. É respeitar o que "dá na telha"... Enfim, é respirar, apenas. Afinal, assim como na minha cabeça, o mundo é feito de milhões de frequências. São inúmeras vozes aqui e acolá. Mais alguma pergunta? Infinitas...

FIM

domingo, setembro 01, 2013

APENAS O CÉU NOTURNO

Feito olhando para o céu estrelado da janela de um ônibus que passava por uma estrada qualquer entre o Rio de Janeiro e o Espírito Santo.



Olho pro céu e vejo o véu negro da profunda escuridão, 
Olho pro céu e vejo pontos de solidão.
Olho pro céu e vejo o senhor observador do tempo,
Olho pro céu e vejo o passado se perdendo.
Olho pro céu e vejo o heroísmo e os atos de glória,
Olho pro céu e vejo a morada dos deuses de outrora.
Olho pro céu e vejo mil casais apaixonados,
Mas também olho pro céu e vejo muitos corações arrebentados.
Olho pro céu e vejo o que há dentro de mim,
E nem mesmo o céu que vejo pode ser tão grande assim.

(Lucas Nogueira Garcia)


quinta-feira, julho 25, 2013

O BRADO RETUMBANTE



Ouviram do Ipiranga, da Baixada Fluminense, do ABC Paulista, do Triângulo Mineiro, de Coqueiral de Itaparica e de onde mais se pode ouvir alguém neste país, os gritos, cânticos e balas de borracha.

O povo da terra do sol da liberdade (em raios fúlgidos!) escolheu a noite para ser abençoado pela lua (que brilhou nesse instante) e para reivindicar direitos, exigir ética, cobrar transparência, e ser heroico.

Se o penhor dessa igualdade, conseguimos conquistar com braço forte, ah, isso é vandalismo. Desafia o nosso peito a própria morte, o nosso nariz com gás de pimenta, o nosso lombo com a bala de borracha e o nosso punho, erguido, com as algemas.

Se fores gigante pela própria natureza, belo, forte, impávido colosso, jamais pode ter acordado, ou, então, nunca foi gigante. Oh Brasil, teu formoso céu que outrora foste tão risonho e límpido, agora está enevoado pelas brumas do lacrimogêneo.

Tu, que tanto vislumbraste os teus filhos resistindo à luta, agora chora por seus jovens fugindo da ROTAN. Maldita ROTAN! Não deveríamos temer porque te adoramos até na morte, mas ainda não atingimos a insanidade das batalhas.

Se não temos paz no futuro, também não tivemos glórias no passado. São tão verdadeiras quanto os contos da Mamãe Ganso. Para quem ainda não se decidiu, oh, filhos desta mãe gentil, a Terceira Ponte não caiu. Vem pra rua!

FIM!

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terça-feira, abril 30, 2013


O MUNDO NOVO

No princípio tudo era um grande vazio. O “nada” era tão predominante que causava inveja aos grandes desertos e as mais profundas fossas abissais do leito oceânico. Não havia pobreza, pois até para haver isso era necessário haver “algo”. Contudo, todo esse vácuo espiritual, ainda assim, tinha seu lado aproveitável. A tela branca.

A descoberta da aquarela é um acontecimento sem par. É como ter acesso a todas as possibilidades, todos os caminhos, todas as experiências. É um multicolorido de abstrações prováveis. É um cometa que viaja pelo universo contemplando o brilho de todas as estrelas ao mesmo tempo. É também a criança que pula na poça de lama. E em toda essa embriaguês há de ter uma grande consequência. E há.

O choque elétrico faz reverberar dos nervos aos ossos, e quanto mais se avança maior é a intensidade com que a energia frita e torra a carne. Nesse belo quadro não há formas definidas. O que há é um grande emaranhado de filetes tingidos das mais impensáveis cores. E esse caos, eternizado na tela, vai se sobrepondo até o dia em que se há o costume. Tudo é um caos, a ordem floresce do costume a ele. Nada se perde tudo se transforma. A ordem se sobrepõe ao caos em uma simbiose, mas ambos sempre estarão ali como entidades de personalidade própria, distintas.

Passado o baque dos descobrimentos entram em cena as ideias independentes. Tudo é questionamento. Nada faz sentido. E quando faz é verdade absoluta. Esse é o espírito jovem, feroz, ávido por descobertas. Entretanto, cada novidade defronta-se com o bruto preconceito. É a vontade de se autoafirmar. É quando é preciso ter razão. Mas aí o aparente baluarte se revela o mais frágil castelo de cartas. Tudo é desabamento. Tudo é pranto. Os escombros se espalham por toda parte. Tudo é feio. Tudo é desprezível. O ódio se acentua. O caos retorna.

Mas os anjos existem? Sim, eles estão ao nosso lado todos os dias. Pobre de quem não os reconhece. Sua luz nos mostra o caminho onde não há indiferença, cinismo, hipocrisia, idiotice, bestialidade e ignorância. O sorriso volta ao rosto sem que se perceba. Uma alegria toma conta e com o peito queimando de entusiasmo limpa-se tudo que não presta e é prejudicial. Vai tudo para a vala. Toda erva daninha é cortada. O jardim finalmente está belo e repleto de flores, todas selecionadas. Esplendorosas borboletas trazem consigo um colorido harmônico.

Depois de tantas mãos de tinta, depois de se esgotar e levar a exaustão a pobre aquarela, pode-se vislumbrar a tão esperada paisagem. No início tudo era o vazio, depois tudo era o caos. Dele nasceram os primeiros esboços do bem-estar. E quando as coisas pareciam se encaminhar para uma conclusão satisfatória o mundo mergulhou na obscuridade. E tudo isso se mostrou necessário. Afinal, é possível pintar um quadro sem que haja sombras? É o contraste do claro-escuro que faz uma obra ganhar vida. Luz e sombra. É o incremento que faltava. Assim como que para haver “algo” é necessário que haja “nada” também deve existir tristeza para que saibamos o real valor da alegria.

O mundo novo surgiu. E como o sol que nasce no leste ele emergiu de todas essas sobreposições, de todo esse colorido. Nada se perde tudo se transforma. Não se escondem as imagens, elas apenas se sobrepõem. E no fim algo novo e original aparece. Agora esse mundo é uma obra-prima. Contrastes. Imperfeições. Imprecisões. Como é admirável. É belo, mas feio. É harmônico, mas caótico. E quando eu cultivo o jardim só planto as flores selecionadas. Sou indiferente ao que não me serve. O lugar da flor estragada é na fossa, os anjos sabem bem!

FIM

SIGA-ME

sábado, março 09, 2013


Saudades!

Quanta saudade eu sinto! E como isso me acalora o peito. O ar se desprende dos meus pulmões. É o fôlego que jamais volta. Quanta saudade! Não há respiração que revigore. Não há suspiro que me traga de volta. Fico por aqui mesmo. Saudades, saudades, saudades... Talvez eu nunca tenha te deixado... Talvez você nunca tenha me deixado... Mas eu não posso mais te tocar. Já não sou mais o mesmo, você já não existe mais, mas nossa união paira no ar e assim eu lembro para sempre. Havia preocupações, havia medos, houve choro, mas tudo não passava de uma eterna brincadeira! Brincar, sorrir e gargalhar não era desperdiçar o tempo e muito menos pecar. Era viver! E agora? Se preocupar é seriamente! Chorar é de verdade! Ter medo é de um perigo real! Hoje o doce é demais, o leite achocolatado não é mais o ápice do dia e brincar não faz mais sentido. Somos nossos próprios brinquedos! Brincamos de viver todos os dias colocando obrigações à frente de tudo. Sorrimos por protocolo. Esperamos um futuro que não existe.

Decidi que não era isso que eu queria. Me rebelei. Respirei fundo e fiz o caminho de volta. Nadei contra a maré, reencontrei minha infância. E lá estava ela, empoeirada e com muitos centímetros a mais. Mas o sorriso ainda era o mesmo, o jeito de brincar também. Entretanto, seu coração havia mudado. Havia muitas cicatrizes. Sua mente também estava diferente. Aquele brilho pleno havia se transformado em um furacão. As vezes mal era possível distinguir as formas. Mal dava para saber o que era loucura e o que não era. Os ouvidos escutam vozes, mas não há vozes! A boca fala, mas não há quem escute! Os olhos agora são a janela da desconfiança. Já não sei dizer se é para quem está fora ou para quem está dentro. Dúvida cruel... Mas no fim era a mesma infância. E ela estava o tempo todo ali, me esperando e me olhando de dentro do espelho. 

FIM

sexta-feira, fevereiro 22, 2013


Entardecer



Que belo dia! Nada como ser despertado pela brisa da manhã. Nada como ser despertado pela mulher amada...

Que delícia de café! Ainda mais se estiver bem forte. Doce e amargo. Mais amargo que doce. Nada de leite...

A cabeça ainda está tonta, é hora de respirar fundo. O que me espera pela frente?

Um banho para ressuscitar! Roupas limpas, perfume. Escova de dente, sim! Olá, eu do espelho! Certo. Adeus, eu do espelho! Rua!

Rua? Nem sempre. Posso estar realizando coisas tanto em casa quanto fora dela. Um texto para estudar. Arrumar a casa! Minha terapia!

É tão bom olhar a casa arrumadinha e saber que foi obra sua. Sem esperar nada em troca, nunca! Jamais me sinto cansado por deixá-la assim.

Hora do almoço. Não gosto do meio dia. Alimentação rápida e forçada. É a ilusão da boa refeição.

Seguem-se horas de angústia. Suor, má digestão. O dia está amarelo. Olá, você aceita um café?

Geralmente é nessas horas que as pessoas pensam em tirar uma soneca. Eu resisto. Não gosto de perder essa hora do dia, apesar de não admirá-la.

Por quê? É a transformação! Os dias são como as borboletas, nascem preguiçosas, atingem seu esplendor dourado e depois adormecem na escuridão para sempre!

Pera aí, eu disse “esplendor dourado”? Sim! Quatro e Cinco Horas da tarde! Não existem horas mais belas que essas.

A lagarta que despertou ao amanhecer e foi para o casulo ao meio dia atingiu o seu esplendor dourado. Que belas borboletas são as Quatro e Cinco Horas!

O mais belo dos casais em nosso Universo! A bela e mais preparada donzela, Quatro Horas, caminha de encontro ao seu guerreiro, Cinco Horas, aquele que vai desbravar a noite!

É bonito ver o sol poente refletindo nas pessoas. Todas são bonitas. Sua luz na vidraçaria dos prédios nos dá a impressão de estar na terra do ouro!

Aqui eu paro e reflito. Lembro-me de tudo o que fiz até então. É o momento sagrado para filosofar.

Sagrado! É o sublime!

O calor se foi, pois todo elemento preparado no fogo precisa depois ser resfriado! Nossa alma é forjada diariamente!

Depois de olharmos para trás, sem esmorecer, é hora de deixar o Leste. Agora nossa bússola aponta para o Oeste.

Olá, noite! Quantos mistérios você nos traz. Perigosa, silenciosa, calma... Sim, é sempre possível torná-la barulhenta e inquieta, mas sua essência será sempre misteriosa.

Nós damos as noites momentos de agitação, mas a noite como noite será sempre enigmática.

Estamos sempre preparados. É claro, os amantes da tarde sempre estão.

Viver só da noite é pedir para despencar de grandes alturas. Tu conheces uma borboleta que já nasceu borboleta?

Assim, também, quem vive só das manhãs será rastejante para a eternidade! É necessário encarar as horas de dureza pós meio dia. É necessário entrar no casulo. É necessário sofrer. A transformação vem das dores. As cicatrizes só surgem dos ferimentos.

Uma alma calejada adquire sabedoria. Somos forjados todos os dias. Essa busca é eterna. Tolo é aquele que pensa que já atingiu a excelência!

Eu não durmo nas horas do casulo, lembras? Fazer isso é pedir para ser solto num covil de cobras. E pior que isso, enfrentá-las na calada da noite.

Na ultima vez que eu dormi a tarde meu dia terminou péssimo, pois eu voltei a ser um lagarto, voltei a sentir tonteiras, morri mais uma vez. Para este tipo de sono, o vespertino, não há banho que ressuscite, não há café que sirva. Não há lagarto que vire borboleta sem antes passar pelo casulo.

Só há duas brisas durante todo o dia. A que te desperta e a que te transforma. Uma Hora, Duas Horas e Três horas são aqueles professores chatos que você só dá valor no futuro.

Mas são eles que te preparam para o desfrute mais romântico das Quatro e Cinco Horas. O ápice!

Como o meu coração se aperta de alegria nesse momento! Só eu e a natureza. Criação e criatura. Encontro sagrado!

Independente de como foram as manhãs ou como serão as noites um dia só termina bem com o bom proveito do entardecer, do início ao fim.

Gostaria que as minhas tardes não se passassem chacoalhadas dentro de um ônibus. É mais fácil ser tolo.

Os homens optaram por transformar o nascimento e o sagrado em momentos de estresse.

Você acorda correndo, aborrecido, vai para o trabalho com a cabeça girando, almoça sem respirar, passa mal e sente sono na hora da transformação, e no momento mais belo você está voltando para casa sem olhar a natureza a sua volta. De noite você não é ninguém. E a cada dia você desperta menos de você mesmo e mais do sistema. E assim se procede até que um dia sua borboleta interior não despertará mais. Estará morta. E você será uma pessoa vazia. Mero invólucro carnal.

A questão é: Isso te importa?

As manhãs ainda existem, o meio dia ainda existe, a hora de se transformar também, mas o fim de tarde está morrendo.

Morrendo? Morrendo para nós, humanos. Somos seres da natureza, mas vivemos apenas no universo da lógica. Quem não conhece os procedimentos naturais do dia jamais conhecerá as belezas das Quatro e Cinco Horas.

Pior. Será engolido pela noite e por seus vícios. Perderá sua força vital. Será caído. Só encontrará tristeza e angústia.

Salvem-se quem puder!

FIM!

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segunda-feira, fevereiro 18, 2013


É GOSTAR E SER FELIZ


A Nova Onda - Ivan  Aivazovskii 

Gosto se discute? É claro que sim. Pelo menos em um mundo submetido ao puro racionalismo. A partir do momento que se admitem “verdades” é reconhecível o desgosto de uns pelos gostos dos outros. Reclamar é um direito. Até mesmo menosprezar. Se abstrairmos um indivíduo de todas as regras (inventadas) morais, éticas e civis, e colocá-lo em um ambiente natural não há porque privá-lo disso. O que é um homem além de ações, pensamentos e sentimentos? Maldade? Bondade? Pelo menos para o Lucas nenhuma das duas coisas. Um ser humano é simplesmente um ser humano e o que vem depois é vaidade. Talvez nem a educação seja tão necessária. Modos? Etiquetas? Em qual momento a Mãe Natureza disse que seríamos obrigados a nos reinventar? Talvez pelo instinto de sobrevivência. O homem se reinventou para poder usufruir do mínimo de si mesmo.
A coisa mais importante que eu aprendi em meus poucos anos de vida foi o exercício de me autoanalisar. Olhar para o meu interior. Não que isso seja algo novo. Todo mundo faz isso. A diferença está no modo como isso é feito. Para algumas pessoas olhar para dentro de si acaba por trazer mais malefícios do que benefícios. A segunda coisa mais importante que eu aprendi, e que está diretamente ligada à primeira, é a de me conhecer e me aceitar. Ser compreensível comigo mesmo. Muita das vezes nós somos intolerantes conosco. Mais importante que conhecer nossas qualidades é reconhecer nossos defeitos. É a partir daí que vem o crescimento. Mas devemos nos atentar. Reconhecer nossos defeitos não é a mesma coisa que se conformar e esmorecer. Travar! Eles existem para que saibamos que somos humanos. Que apesar de termos nossa centelha divina bem lá no fundo de nosso ser ainda sim somos de carne e osso. São eles que nos ajudam a aprender e evoluir. São os defeitos que mais nos ensinam.
Uma pessoa que consegue fazer isso tem o espírito livre. É liberta. Afasta-se dos preconceitos. Torna-se suave. Adquire sabedoria. “Alça voos no mar azul do vento e veleja”. Esse tipo de pessoa não precisa de leis e muito menos de regras. Reconhecer-se é um passo fundamental para reconhecer e compreender o outro. Seu semelhante é tão de carne e osso quanto você e igualmente suscetível à natureza. Fazer escolhas é um ato racional. Você mede e pondera antes de fazê-las. E apesar de essa capacidade ser igual a todos isso não significa que as escolhas sejam as mesmas. Escolher é algo comum a todos, mas o modo de escolher não. Isso é fruto de nossos sentimentos. É fruto de nosso modo de ser e até mesmo do modo de vida que tivemos. Aí eu coloco a questão do “por quê?”. Você já parou para pensar que tudo hoje exige uma justificativa? Tudo tem de ter uma “motivação especial.” Quanta pobreza de espírito. Gostar de algo não exige explicação lógica. Contrariando o que a maioria reproduz eu digo: porque sim é resposta!
Diga-me, você sabe explicar logicamente porque você gosta de uma cor, de um determinado som ou de uma pessoa? Chegamos ao cúmulo de ter que explicar detalhada e organizadamente porque gostamos de uma pessoa, elencando qualidades e tudo mais. Quando nós gostamos de algo não precisamos explicar. Gostamos e pronto! Nosso corpo é preparado para isso. Nos atraímos por algo graças a essas forças invisíveis que nos circundam. Olhar, ouvir, e tocar. Quer coisa tão implícita e embricada? Pobre de quem se vê obrigado a transformar tudo em ciência. É impossível aproveitar as sensações racionalizando tudo, tudo, tudo e tudo! O idealismo toma conta e a pessoa está sempre no passado e no futuro. Esquece completamente do presente. Goste apenas, isso já basta. Na verdade só precisamos disso. Como disseram os Beatles: “All you need is Love!”. O que vem depois é mera vaidade.
Eu gosto de verde e isso não se explica. Gosto do cheiro de uma roupa nova, de tocar um instrumento qualquer, de ficar vendo os pedreiros trabalhando e levantando uma obra, gosto de ver meu pai falando no telefone e dirigindo, gosto de quando minha mãe se senta no sofá da sala e compartilha do que eu estou assistindo na televisão, gosto quando meu irmão solta uma gargalhada, quando minha irmã me faz uma pergunta difícil, quando meu avô resmunga de algo, quando minha namorada faz expressões com o rosto para demonstrar suas reações aos absurdos que eu falo, gosto de ver um sorriso no rosto dos meus amigos quando eu estou por perto, de esquecer-me de tudo lendo um livro, de me emocionar ouvindo um álbum de uma das minhas bandas preferidas, de rabiscar coisas sem nexo no papel, prefiro o lápis do que a caneta, gosto de falar em espanhol quando estou embriagado, sou apaixonado por Rock Progressivo, mas só escuto Música Latina enquanto arrumo a casa, gosto de ficar admirando a obra Le Grenoiller (1869) de Claude Monet desde que eu era criança...


Le Grenoiller - Claude Monet 

Tudo isso eu gosto e nada disso tem explicação ou motivo. Não serei ecologista por gostar de verde, não serei engenheiro civil por gostar de ver o trabalho dos pedreiros e nem estilista por gostar do cheiro de roupa nova. Simplesmente amo essas coisas. “Simplesmente eu gosto das coisas como elas são, sem segredos, mistérios, falsidade e ambição”. Fazendo isso eu aprendo a não tentar mudar o gosto das pessoas. Isso é algo que não se aprende da noite para o dia, pois é um exercício minucioso. Crítica sempre haverá, é gosto. Agora reconhecer o outro como igualmente importante por suas escolhas é um grande passo. É bonito admirar o diferente. Gostar de ver os outros felizes com suas escolhas que são completamente diferentes das minhas. Serve-me de terapia. Na verdade isso só é possível porque eu já sou feliz comigo mesmo e com as coisas que me agradam. Sei aproveitar.
Não quero ser moralista dizendo que “devemos respeitar ao próximo”. O que quero alertar é que quando menosprezamos alguém por suas escolhas só estamos fazendo mal a nós mesmos. Perdemos o tempo em que deveríamos estar usufruindo das coisas que nos agradam tentando provar que o outro está errado. Provar que “nós fizemos a escolha correta”. Ou pior, “que o nosso é melhor”. Triste situação. O mundo é tão grande e tão repleto de belezas... Para que eu vou me preocupar com aquilo que o outro escolheu para se sentir feliz. Pobreza de espírito. O que faz as coisas bonitas são as diferenças. Imagine você se todas as plantas tivessem a mesma tonalidade de verde ou se o mar fosse completamente azul? Tudo seria simplório e desinteressante. Eu encontrei a formula mágica de viver: Simplesmente ser feliz! Essa música traduz bem isso: https://www.youtube.com/watch?v=TiC_ixRVI6k



FIM! Se gostou me segue!

sábado, fevereiro 02, 2013


A UFES E SEUS MITOS



Há quase três anos eu iniciava minha jornada no meio acadêmico. Como um sonhador eu acreditava que naquele dia finalmente eu havia alcançado um meio de convivência dito “ideal”. Passei meus anos de ensino médio acreditando que o dia da redenção viria. Assim, quando eu descobri minha aprovação para a Universidade Federal do Espírito Santo, me senti recompensado. É como se finalmente eu houvesse conseguido um passaporte para o paraíso. Mas por que eu pensava assim? Por que eu acreditava neste paraíso?
Na minha pobre cabeça de adolescente eu imaginava que a academia era um lugar de pessoas esclarecidas, resolvidas, maduras e com certo espírito de respeitabilidade. Eu acreditava inocentemente estar entrando no nirvana da cortesia. No meu entendimento ali só conviviam pessoas de espírito elevado e de grande sabedoria. Enganei-me.
Meu primeiro susto se deu no dia de minha matrícula. Em dado momento de nossa confraternização algumas pessoas começaram a nos falar sobre os professores que encontraríamos no decorrer de nossos estudos. Na hora eu me animei. “Nossa, que bom! Vão nos falar do que os professores irão nos ensinar.”, pensei. Até parece. O que aconteceu de fato foi que eu tive contato com uma triste prática, mas eu só percebi seus malefícios há alguns meses.
O que eu conheci naquela noite foi a arte de falar mal dos outros. Felizmente, se tem um assunto que entra em meu ouvido e sai pelo outro é este. Enquanto algumas pessoas se esforçavam por nos “alertar” sobre algumas personalidades eu só pude me perguntar: “Será que a coisa é tão ruim a este ponto?”. Mas nada do que escutei naquela noite foi internalizado. São coisas que eu pouco me importo.
Esta foi a primeira impressão que eu tive: professores tirânicos e alunos insatisfeitos. A verdade é que as poucas pessoas que tiveram o trabalho de me narrar estas biografias pouco me transmitiam a credibilidade necessária para que eu os levasse a sério. Aliás, como dar ouvidos a alguém que te aborda para fofocar? Não dou é claro. Ligo o famoso “piloto automático”. E em algumas poucas vezes eu me dou à liberdade de bocejar porque acho engraçado.
Quando meu curso começou os “conselhos” se intensificaram, agora os alvos eram mais diretos e conhecidos por nós, calouros. “Quem está dando tal aula para você? Cuidado esse cara faz isso. Nossa! Esse sujeito costuma ser assim. Ele me ferrou há uns períodos. Ele tem o hábito de fazer isso e isso com os alunos”. Todos os dias eram assim. Tamanha era a propaganda que eu acabei acreditando em algumas coisas. Ora, a universidade era um ambiente inteiramente novo para minha cabeça de 18 anos. Eu não tinha consciência das coisas que eu estava ouvindo, muito menos tinha noção da prática horrorosa que eu estava vivenciando.
O primeiro período terminou e o que ficou em minha mente foram dúvidas. As coisas não batiam. Os relatos me pareciam exagerados. O que me pareceu engraçado é que algumas pessoas compraram o discurso que nos era apresentado e os reproduziam. Sim, a minha forma de ver as coisas e as pessoas é peculiar. Não me importo de ser uma minoria nesta categoria, pelo contrário, me sinto privilegiado. Acontece que os tais professores não eram esses monstros. Tive a oportunidade ainda no primeiro período de conversar com um deles e pude notar a cordialidade que a pessoa me tratou, algo que foi confirmado posteriormente quando eu convivi de fato com a mesma em um ambiente de trabalho.
Eu mesmo reproduzi alguns destes discursos. Mas nunca no tom exagerado da maioria. Na verdade, minhas queixas SEMPRE foram em relação ao ensino, que é o que me importa. A troco de quê eu vou perder meus preciosos neurônios julgando o caráter de alguém que eu não tive a oportunidade conhecer para além de uma sala de aula? Assim criam-se alguns mitos em torno das figuras do corpo docente. Quanto ao que estudamos? Sim, se você tem uma boa alma provavelmente está se perguntando sobre o que aprendemos. Existem umas poucas pessoas que de fato querem falar disso. Mas essas nós contamos nos dedos. É até um momento de alívio quando o assunto na roda de conversa é este. Aliás, até cerveja, festas e futebol é muito melhor do que fofoca.
Um ano atrás eu comecei a me envolver um pouco mais nas questões estudantis. Até aquele momento eu era só “o aluno”. Minha única preocupação dentro da UFES era o conhecimento. Nesta experiência eu pude conhecer uma enxurrada de outros estereótipos que até dado momento eu não sabia que eram estereótipos. “A UFES não está nem aí para os seus alunos! Os setores administrativos são inatingíveis. Não há diálogo com as pessoas da gestão da universidade. É impossível conversar com o reitor. Eles estão pouco se lixando para nós.” Tudo isso eu comprovei empiricamente não ser verdade. Inclusive em relação ao reitor.
Por que eu resolvi escrever este texto? Em três anos de academia eu descobri que há um jogo de intrigas muito grande. Um ressentimento. Um rancor. Algumas pessoas se decepcionaram por determinadas coisas e sabe-se lá porque disseminaram essas fábulas. É muito ego para pouco espaço. Não sei, talvez fulano não estudou tudo que tinha para estudar e para não se sentir a pior pessoa do mundo atribuiu seu insucesso ao professor. Talvez um sujeito levou uma questão mirabolante demais as instâncias maiores da universidade e não foi atendido. É claro, não estou dizendo que tais coisas não acontecem. Existem sim professores que não têm boa conduta, existem sim funcionários da UFES que não agem de boa conduta, mas também há alunos que fazem as mesmas coisas.
É complicado para as pessoas admitirem seus defeitos. Eu sei, é difícil. E talvez jogar o problema em cima de outrem alivie momentaneamente sua consciência. Entretanto, as coisas voltam a se repetir. Porque o problema não está fora da pessoa, está nela mesma. Analise-se. Reflita sobre si próprio. Será que a ideia que você tem de si não é também um mito? Admita seus limites. Isso é bom. Trabalhe-os. Tente melhorar. Mas agora, ficar falando mal dos outros não dá. Pelo menos perto de mim. É uma coisa que eu abomino.
Tive a honra de ser intitulado da seguinte maneira por esses dias: “Lucas, você é muito bonzinho, cuidado com isso!”. Não, eu não sou muito bonzinho, e repito o que eu disse: “Eu tento ser justo!”. Justo ao ponto de ser perfeito? De analisar a situação e ter uma noção completa da realidade? Não, justo ao ponto de dizer “é assim, mas também assim”. Para que eu vou perder o meu tempo achincalhando os outros? Para atrair negatividade? Jamais!
A UFES hoje é muito mais mito do que realidade. Aqueles prédios e salas receberam por anos um turbilhão de significados, a maioria deles surreal, o que dá ao caminhante desavisado uma imagem distorcida do que de fato acontece ali. É como caminhar na névoa com um mapa falsificado, você apenas tem uma ideia do que está ao seu redor, mas não sabe o que ali ocorre. Se tiver uma verdade nisso tudo (quanto problema essa palavra traz consigo) é que o defeito e as diferenças existem em todos lugares. Engana-se quem pensa que há perfeição em algum lugar.
Eu mesmo criei um mito sobre a UFES. O paraíso das pessoas cordiais. Mas nunca ao ponto de achar que as pessoas eram anjos! Quando eu pensava nisso tudo imaginava um lugar onde as pessoas sabiam conviver com as singularidades um dos outros. Isso é surreal. Pelo menos hoje eu estou desacreditado que num determinado espaço as pessoas irão conviver todas se respeitando o tempo todo. Quando eu digo respeito eu não falo de uma associação de “ladies and gentlemen”. Seria tudo muito chato. Eu digo que haja no mínimo a compreensão pelo semelhante. Mas não. É mais fácil julgar superficialmente.
A única coisa que eu posso dizer para você é: Tire as suas próprias conclusões.

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quarta-feira, janeiro 30, 2013


QUEM SOU EU?

Todas as manhãs eu te acordo. Desdenho do seu sono! Faço você se levantar da cama sem nenhuma piedade. Obrigo-te a despertar na marra! Você corre para o espelho do banheiro e lá estou eu te circulando, lá estou eu te olhando no fundo dos olhos, te julgando, te apressando, te mostrando as minhas marcas, te causando desespero e angústia.
Você se senta à mesa para se alimentar e eu me sento ao seu lado e esfrio o seu café. E como se não bastasse o aspecto ruim que ele toma logo eu vou te puxando. O café frio ficou para trás. Às vezes nem o pão eu deixo você comer, mas problema. Eu estou no controle. Vou te empurrando pelas costas. Não tenho pena de você.
Logo você está no seu banho, mas eu o torno frenético. Desesperado. Desleixado! Eu te puxo todo molhado para fora de seu banheiro. Faço com que você escorregue, tropece no brinquedo de seu filho, derrube o porta-retratos de sua esposa enquanto você tenta se vestir sem ao menos ter se secado adequadamente.
Você aperta o nó da gravata. Está pronto! Mas eu te mostro o seu ônibus indo embora pela janela de sua casa. Você corre. Corre depressa. O ônibus se foi. Você tem seu primeiro momento de fúria em seu breve dia. E eu estou ao seu lado para aumentar seu sofrimento. Você espera o próximo ônibus. Ele chega lotado. O dia está quente e você engravatado.
Sua condução para e você fica indignado. Ela não pode parar. E eu te apoio nisso. Você olha para fora e vê o engarrafamento, as buzinas e o tumulto. Pensa em sair correndo. Se remexe, se coça, suspira e desiste. É insensato. Mas eu estou ao seu lado, cochichando em seu ouvido. Você suspira mais. O dia mal começou e você já está estressado.
Enfim, o ônibus volta a andar e o transito flui. E eu? É claro, chacoalho seus ombros. Não é suficiente. Mais depressa, mais depressa! Você chega correndo em seu trabalho todo desajeitado. Te dou um alívio. Você cumpriu com sua obrigação. Mas seu patrão lhe recebe com um sorriso macabro no rosto, tão macabro quanto o meu. Ele lhe entrega uma pilha de papéis. Um desejo de bom dia! Um bom dia preso a papéis. E preso a mim.
Estou com minhas mãos agarradas a sua cabeça. Aperto-as cada vez mais. Te chacoalho outra vez. “Vamos, você tem trabalho a fazer!”. Lá fora o sol atinge seu auge na abóboda do céu. E cá está você com os cabelos desgrenhados e com os miolos fervendo. Debruçado sobre a pilha de papéis. “Bom dia!”. E eu? Te cutuco a costela e dou petelecos em sua orelha. Rindo da sua cara de desespero. O sol está se pondo. Sua respiração está ofegante, seu corpo está num estado deplorável. Você está com fome. Você não pensa em nada. Só em mim e na pilha de papéis.
O sol se pôs. Não foi um bom dia. Você se levanta. Está indo para casa. Mas antes seu patrão te aborda. “Amanhã será um dia muito melhor e mais produtivo que esse.” Você dá um sorriso amarelo e cansado. Mas é a realidade.
Você refaz o trajeto para casa. Agora você volta a pensar, mas nada em sua cabeça me escapa. Eu baguncei sua mente. Você pensa em mim. Somente. E sabe o quanto eu te escravizo. Te domino. Você está em minhas mãos. Eu sou o maestro da sua vida. Seu Deus. Seu guia. Seu demônio. Você não vive sem mim. Estou no seu pulso. Estou em seu bolso. Estou na parede de sua casa e de seu trabalho. Na tela de seu computador. Dentro de sua cabeça.

Eu sou o Tempo!

FIM.

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terça-feira, janeiro 22, 2013


O Otimismo e o Pessimismo: Um Conto sobre Edgard, Brunna e o Cavaleiro Verde.




Há muito, muito tempo (muito tempo mesmo) um Senhor dava uma festa em honraria ao seu exército. Não cabe a essa história dizer as glórias passadas destes homens, pois só o que um deles realizou a seguir nos importa.

- Edgard! Chamou o Senhor.
- A ti me apresento honorável provedor.
- Quero lhe dar um presente por todas as suas conquistas em campo de batalha. Esta é a lendária armadura do Otimismo, inabalável e indestrutível. E você, como chefe maior de nosso exército deve portá-la.
- É uma felicidade indescritível, meu Senhor. Agradeceu Edgard.

Edgard era um guerreiro famoso. Nunca perdera uma batalha sequer. Havia levado o exercito de seu Senhor a incontáveis vitórias. E agora, investido da armadura, se sentia o mais poderoso dentre os homens.

Não quero entretê-los com sangue de guerreiros mortos, esse não é o objetivo deste conto. Muitas foram as batalhas que nosso guerreiro liderou até a vitória. A cada dia ele se sentia mais indestrutível e mais inabalável.

Certo dia, cavalgando com seu exército, Edgard resolveu parar em um pequeno vilarejo para descansar. Ele andava tranquilo pelas ruas do lugar apenas observando, até que uma figura se colocou ao seu lado. Tinha um belo cavalo marrom, um brilhante elmo e armadura prateada ornamentada de esmeraldas, e uma bela capa verde. Nosso guerreiro apenas o olhou.

- Precisa de minha ajuda? Perguntou o misterioso cavaleiro.
- Não. Respondeu Edgard sorrindo.
- E o que te leva à vitória?
- Minha armadura do Otimismo. Disse batendo com os punhos no peito.
- Assim seja, meu caro amigo. Disse o cavaleiro ao se virar e galopar para longe.

Edgard deu pouca importância ao acontecimento e foi dormir. No dia seguinte uma chuva terrível castigava os campos daquele vilarejo. Nosso guerreiro saiu às ruas para supervisionar o seu exército. Para sua surpresa um de seus soldados lhe deu a triste notícia de que seu cavalo havia fugido.

- Eu vou atrás dele. Disse Edgard, tentando falar mais alto que a chuva.
- Sir, você vai morrer. O mundo está desabando em água.
- Não seja tolo, minha armadura está comigo.

Assim ele foi. Trovões rasgavam o céu de fora a fora com uma precisão nada cirúrgica. Depois de caminhar muito tempo ele se deparou com uma montanha. E lá, no alto, estava seu cavalo. Nem sequer respirou. Em segundos ele estava dominando a montanha. Os trovões aumentavam e ele se aproximava de seu cavalo. Quando já estava a poucos metros de seu animal um raio atingiu com toda força as pedras acima de sua cabeça. Na tentativa de se salvar ele tentou pular em um conjunto de pedras ao seu lado, porém, devido à chuva ele escorregou. Bateu com o tronco no chão, rolou para trás, mas antes que ele despencasse da montanha se agarrou com firmeza em uma das pedras. Ele olhou para baixo e viu que a queda seria bem longa. Mal conseguia se segurar. Eis que acima dele uma voz cortou a chuva.

- Precisa de ajuda? O cavaleiro misterioso aparecia mais uma vez.
- Não! Esbravejou Edgard. Minha armadura está comigo e eu vou fazer isso sozinho.

O cavaleiro misterioso apenas o observou. Segundo a segundo Edgard perdia a luta.

- Oh, esta armadura está pesada demais. Sugeriu o Cavaleiro misterioso.
- Não está! Ela me protege.

Dizendo isso Edgard caiu. Seu corpo foi engolido pela névoa da chuva e ele desapareu sob o mar de rochas. Dor intensa. Escuridão... escuridão... escuridão... Luz... luz... Edgard abriu os olhos e percebeu que estava deitado sobre uma cama e em um lugar desconhecido. Na verdade ele só podia ver o que a luz de uma vela era capaz de iluminar. E ao seu lado estava o cavaleiro, ainda de elmo.

- Um voo alto às vezes leva a quedas drásticas. Disse o cavaleiro misterioso rindo.
- E risadas indecentes também levam a perda de dentes. Tentou se movimentar Edgard, mas tudo era dor.
- Se acalme em breve você estará melhor, aí talvez lute comigo.
- Quem é você?
- Todos me chamam de Cavaleiro Verde, mas você pode me chamar de Esperança, amigo.
- Esperança é um bom nome para quem sempre está por aí e nunca mostra o rosto.
- Certamente. Concordou o Cavaleiro Verde.
- E por que sempre me ofereceu ajuda?
- Porque você se esqueceu de você mesmo. Desde o momento que você vestiu essa armadura do otimismo você se esqueceu da pessoa que você é, que é cheia de virtudes, mas também que é cheia de defeitos. Humano. Ninguém é indestrutível. Ninguém é tão melhor que os outros que não precise de ajuda ou de conselhos. Essa armadura é importante sim, ela foi sua principal companheira de vitórias, mas ela é só um mero instrumento de batalha. O campeão aqui é você.
- Devo me livrar dela?
- Jamais, e também não deve se esquecer de minhas palavras. Outra coisa, já tratei de seus ferimentos e amanhã ao raiar do dia você já estará curado. Mas, em troca, vou precisar que me ajude.
- Qualquer coisa, senhor.
- Já ouviu falar de Brunna?
- Não.
- Certo. Brunna é uma guerreira de terras a oeste daqui. Onde o sol se põe. Ela também possui uma armadura. É a armadura do pessimismo. Ela vai às batalhas com o pensamento de que as coisas poderão dar errado, assim não se decepciona. Sempre está pronta para receber um golpe. Porém, há certos momentos em que ela trava, fraqueja ou desacredita de seu objetivo. Perde sua obstinação. Peço que você, Edgard, vá até ela e ofereça a sua ajuda.
- Eu? E ela aceitará a minha ajuda?
- Não. Disse o Cavaleiro Verde rindo mais uma vez.
- Então o que farei?
- Nada, só ofereça sua ajuda, o destino se encarregará do resto.
- E meu exército, como ficará?
- Eu cuido disso para você.
- Mais uma coisa, como você sabe tanto de mim se eu não te conheço?
- É porque estou sempre por aí e nunca mostro o rosto. Disse sorrindo.

Assim a vela se apagou e a escuridão dominou o mundo e os pensamentos de Edgard. O Cavaleiro Verde desapareceu com a luz. No dia seguinte o nosso guerreiro acordou curado. Deixou a cabana que estava para trás e mergulhou na luz do dia. Seu cavalo o esperava do lado de fora. Cavalgou rumo ao oeste sempre com o sol na cabeça. Depois de algumas horas de viagem ele avistou, entre às árvores de um vale, uma batalha acontecendo. Com cautela se escondeu entre algumas folhagens e observou por um tempo. Viu que entre os guerreiros havia um que era diferente. Fazia movimentos muito mais delicados e belos que a maioria dos brutamontes. Era Brunna. Pelo que observava, o exército de Brunna estava alcançando a vitória. Um dos homens do exército inimigo fugiu na direção de onde Edgard estava. Ela o seguiu e o golpeou com uma espada. Ele caiu se contorcendo, mas para a surpresa dela o homem fez um giro rápido abrindo um corte em seu braço. Ela travou por uns segundos, mas logo retomou a consciência e golpeou mais uma vez o adversário decretando o fim da luta.

O corte começou a doer. Ela se sentou sob uma árvore e lá ficou com uma cara bem emburrada. Edgard a olhava com curiosidade. Com muita curiosidade. Até que seus olhares se encontraram.

- Quem está aí? Perguntou Brunna.

Edgard se empertigou, coçou a cabeça todo embaraçado e com um sorriso amarelo ele saiu das folhagens. Brunna riu ao vê-lo pela primeira vez.

- É, como posso explicar? É porque...
- Só perguntei quem é você. Brunna ainda estava rindo.
- Edgard, o otimista, das terras do leste.
- O otimista? Pobrezinho. Brunna riu mais uma vez.
- Pobrezinho é a... é...
- O que você ia dizer, guerreiro otimista?
- Você precisa de ajuda? Minha ajuda sabe? Minha. Disse apontando repetidas vezes para si próprio o desajeitado Edgard.
- Não! Nem de você e nem de ninguém. O sorriso de Brunna sumiu instantaneamente.
- Então, até a próxima. Disse Edgard se virando.
- Próxima? Brunna riu.
- Adeus, adeus. Disse ele chacoalhando as mãos.

Edgard estava indo embora, mas antes quis olhar de novo para Brunna. Ele se virou. Ela estava rindo. Mas então ela fez uma careta de brava e ele apertou o passo. “Mulheres, cheias de sortilégio”, pensou. Nosso guerreiro encontrou abrigo em uma floresta próxima onde ele passou a noite. Dormia tranquilamente até que uma folha de arvore caiu em seu nariz. Ele acordou de susto. Esfregou os olhos e viu que a noite ainda caminhava na completa escuridão. Quer dizer. Havia uma luz no meio das árvores. Fogo. E havia também muito barulho, gritaria e golpes de espada.

O exercito de Brunna havia sido emboscado, percebeu Edgard ao observar melhor a cena. “Onde está ela?”, pensou o nosso guerreiro. Tentando enxergar na escuridão encontrou em meio às sombras bruxuleantes Brunna sendo cercada por dois homens. Ela estava parada, imóvel, observando os dois. “Esse é o seu fim”, pode escutar Edgard. Os homens levantaram a espada, mas antes que qualquer golpe fosse dado Edgard estava lá. Aparou um dos golpes no seu escudo, golpeou o primeiro homem e o jogou no chão. Esperou o golpe do segundo, quando este veio ele aparou mais uma vez e golpeou. Mas para a sua surpresa o primeiro homem já havia se levantado. O golpe era certo. Porém, mais surpreendente ainda foi quando Brunna apareceu ao seu lado e golpeou o homem. Assim os dois se livraram dos perseguidores.

A emboscada havia sido superada e os prejuízos estavam sendo contabilizados. Um recado havia sido deixado. “Amanhã, em campo aberto, nossos exércitos decidirão esta guerra”.

- Você é um bom ajudante. Disse Brunna.
- Só um mero ajudante?
- Sim, você tem que treinar muito ainda para ser um guerreiro tão bom quanto eu sou. Você é confiante demais. É louco. Você tem um probleminha, sabe? Disse ela rindo e apontando para a cabeça dele.
- Mas se eu não estivesse por perto você morreria.
- Eu sou encantadora, não sou? Por isso você veio me ajudar.
- Maldito seja! Disse Edgard vermelho de raiva e entre os dentes contorcidos.
- Boa noite Edgard, o otimista. Disse ela rindo.
- Você precisa de minha ajuda?
- Amanhã? Talvez eu precise, talvez não.

Dessa vez foi Edgard que riu, mas de raiva. Foi dormir. No dia seguinte ele apareceu e lá estava Brunna contemplando o horizonte.

- O que propõe, oh ajudante? Perguntou Brunna ironicamente.
- Eu vou lutar ao seu lado. Enquanto eu recebo os golpes em meu escudo você golpeia o adversário.
- E como você pode ter certeza de que vai dar certo?
- Vai dar certo.
- Pode não dar.
- Mas deu certo ontem, talvez dê outra vez. Ao invés de discutirmos se dará certo ou não a gente deixa dúvida no ar. Aí nada será surpreendente e também nada será esperado, o que acontecer aconteceu. De acordo? Sugeriu Edgard. Brunna fez uma cara de deboche enquanto pensava por uns segundos.
- Tudo bem, vai ser desse jeito.
- Do nosso jeito, vamos para a batalha.

O exército adversário estava com sua parede de escudos formada. O exército de Brunna estava em menor número.

- Não venceremos, isso não vai dar certo. Disse a guerreira.
- Não sabemos ainda. Disse Edgard.

O exército de Brunna já estava formado e Edgard junto dela. A batalha aconteceria num grande campo aberto. O sol brilhava e os pássaros cantavam. Sobre uma colina, observando, estava o Cavaleiro Verde. Edgard o avistou. Logo depois ele se virou e foi embora. “Maldito, ele deveria estar cuidando de meu exército!”, pensou. Antes que ele pudesse pensar mais sobre o assunto uma trombeta soou e a batalha começou. Escudos contra escudos, espadas contra espadas e Edgard e Brunna juntos.

Como combinado Edgard aparou o primeiro golpe, que foi de um machado, e Brunna golpeou o adversário. O primeiro se foi. O segundo, munido de uma espada, tentou acertar Edgard na cabeça, mas ele levantou o escudo a tempo. Nossa guerreira lhe presenteou com um golpe afiado na barriga. Sangue jorrava, homens gritavam. E assim vieram muitos. Barrados por Edgard e golpeados por Brunna. Porém, eis que o calor da batalha dominou Edgard. Ele se sentia imbatível. Apertou com força o escudo contra o peito e a espada contra as mãos, partindo ele contra os adversários. Golpeou o primeiro, o segundo, o terceiro, mas no quarto ele se viu em dificuldades. O homem era muito maior que ele. Mas ele não desistiu. O golpe que o homem deu no escudo de Edgard foi tão forte que ele cambaleou para trás. Mas antes que ele fosse golpeado Brunna apareceu ao seu lado e golpeou o inimigo.

Ela o puxou para trás e o afastou da batalha. Olhou brava para ele.

- Você é louco? Só pode. Disse brava. Em seguida ela lhe deu uma bofetada no rosto.
- Isso doeu, mulher.
- Cale a boca! Esbravejou Brunna, e em seguida lhe beijou nos lábios.
- Mas como? Disse Edgard sem entender.
- É para a gente lutar juntos. Esse foi o combinado.
- Sim, precisei de você.
- E eu preciso de você. Me deixou sozinha.
- Isso não vai acontecer jamais. Eu defendo e você golpeia.

Assim eles voltaram para a batalha. O sangue ainda jorrava e os homens ainda berravam. Edgard defendia e Brunna atacava. Mas o exército inimigo ainda era muito maior e eles estavam perdendo.

- Não vamos conseguir. Disse Brunna.
- Ainda não acabou.

Ao dizer isso Edgard viu que o Cavaleiro Verde havia reaparecido na colina e atrás dele haviam homens. Muitos outros homens. Era o seu exército. O Cavaleiro Verde os liderou contra o exército inimigo que agora estava em menor número. A batalha foi vencida. Edgard e Brunna ficaram juntos. O otimista aprendeu a ser mais cauteloso, a pessimista aprendeu a confiar nas possibilidades. Eles se ajudavam. E assim o Cavaleiro Verde, a Esperança, voltou a vagar secretamente por entre os homens e as mulheres estendendo sua mão. 

E você, caro leitor, precisa de ajuda?

FIM
   
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