QUEM SOU EU?
Todas as manhãs eu te
acordo. Desdenho do seu sono! Faço você se levantar da cama sem nenhuma
piedade. Obrigo-te a despertar na marra! Você corre para o espelho do banheiro e lá estou eu te circulando, lá estou eu te olhando no fundo dos
olhos, te julgando, te apressando, te mostrando as minhas marcas, te causando
desespero e angústia.
Você se senta à mesa
para se alimentar e eu me sento ao seu lado e esfrio o seu café. E como se não
bastasse o aspecto ruim que ele toma logo eu vou te puxando. O café frio ficou
para trás. Às vezes nem o pão eu deixo você comer, mas problema. Eu estou no
controle. Vou te empurrando pelas costas. Não tenho pena de você.
Logo você está no seu
banho, mas eu o torno frenético. Desesperado. Desleixado! Eu te puxo todo
molhado para fora de seu banheiro. Faço com que você escorregue, tropece no
brinquedo de seu filho, derrube o porta-retratos de sua esposa enquanto você
tenta se vestir sem ao menos ter se secado adequadamente.
Você aperta o nó da
gravata. Está pronto! Mas eu te mostro o seu ônibus indo embora pela janela de
sua casa. Você corre. Corre depressa. O ônibus se foi. Você tem seu primeiro
momento de fúria em seu breve dia. E eu estou ao seu lado para aumentar seu
sofrimento. Você espera o próximo ônibus. Ele chega lotado. O dia está quente e
você engravatado.
Sua condução para e
você fica indignado. Ela não pode parar. E eu te apoio nisso. Você olha para
fora e vê o engarrafamento, as buzinas e o tumulto. Pensa em sair correndo. Se
remexe, se coça, suspira e desiste. É insensato. Mas eu estou ao seu lado, cochichando
em seu ouvido. Você suspira mais. O dia mal começou e você já está estressado.
Enfim, o ônibus volta
a andar e o transito flui. E eu? É claro, chacoalho seus ombros. Não é
suficiente. Mais depressa, mais depressa! Você chega correndo em seu trabalho todo
desajeitado. Te dou um alívio. Você cumpriu com sua obrigação. Mas seu patrão
lhe recebe com um sorriso macabro no rosto, tão macabro quanto o meu. Ele lhe
entrega uma pilha de papéis. Um desejo de bom dia! Um bom dia preso a papéis. E
preso a mim.
Estou com minhas mãos
agarradas a sua cabeça. Aperto-as cada vez mais. Te chacoalho outra vez. “Vamos,
você tem trabalho a fazer!”. Lá fora o sol atinge seu auge na abóboda do céu. E cá está
você com os cabelos desgrenhados e com os miolos fervendo. Debruçado sobre a
pilha de papéis. “Bom dia!”. E eu? Te cutuco a costela e dou petelecos em
sua orelha. Rindo da sua cara de desespero. O sol está se pondo. Sua respiração
está ofegante, seu corpo está num estado deplorável. Você está com fome. Você
não pensa em nada. Só em mim e na pilha de papéis.
O sol se pôs. Não foi um bom dia. Você se levanta. Está
indo para casa. Mas antes seu patrão te aborda. “Amanhã será um dia muito
melhor e mais produtivo que esse.” Você dá um sorriso amarelo e cansado. Mas é
a realidade.
Você refaz o trajeto
para casa. Agora você volta a pensar, mas nada em sua cabeça me escapa. Eu
baguncei sua mente. Você pensa em mim. Somente. E sabe o quanto eu te escravizo.
Te domino. Você está em minhas mãos. Eu sou o maestro da sua vida. Seu Deus.
Seu guia. Seu demônio. Você não vive sem mim. Estou no seu pulso. Estou em seu
bolso. Estou na parede de sua casa e de seu trabalho. Na tela de seu
computador. Dentro de sua cabeça.
Eu sou o Tempo!
FIM.
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