sexta-feira, fevereiro 22, 2013


Entardecer



Que belo dia! Nada como ser despertado pela brisa da manhã. Nada como ser despertado pela mulher amada...

Que delícia de café! Ainda mais se estiver bem forte. Doce e amargo. Mais amargo que doce. Nada de leite...

A cabeça ainda está tonta, é hora de respirar fundo. O que me espera pela frente?

Um banho para ressuscitar! Roupas limpas, perfume. Escova de dente, sim! Olá, eu do espelho! Certo. Adeus, eu do espelho! Rua!

Rua? Nem sempre. Posso estar realizando coisas tanto em casa quanto fora dela. Um texto para estudar. Arrumar a casa! Minha terapia!

É tão bom olhar a casa arrumadinha e saber que foi obra sua. Sem esperar nada em troca, nunca! Jamais me sinto cansado por deixá-la assim.

Hora do almoço. Não gosto do meio dia. Alimentação rápida e forçada. É a ilusão da boa refeição.

Seguem-se horas de angústia. Suor, má digestão. O dia está amarelo. Olá, você aceita um café?

Geralmente é nessas horas que as pessoas pensam em tirar uma soneca. Eu resisto. Não gosto de perder essa hora do dia, apesar de não admirá-la.

Por quê? É a transformação! Os dias são como as borboletas, nascem preguiçosas, atingem seu esplendor dourado e depois adormecem na escuridão para sempre!

Pera aí, eu disse “esplendor dourado”? Sim! Quatro e Cinco Horas da tarde! Não existem horas mais belas que essas.

A lagarta que despertou ao amanhecer e foi para o casulo ao meio dia atingiu o seu esplendor dourado. Que belas borboletas são as Quatro e Cinco Horas!

O mais belo dos casais em nosso Universo! A bela e mais preparada donzela, Quatro Horas, caminha de encontro ao seu guerreiro, Cinco Horas, aquele que vai desbravar a noite!

É bonito ver o sol poente refletindo nas pessoas. Todas são bonitas. Sua luz na vidraçaria dos prédios nos dá a impressão de estar na terra do ouro!

Aqui eu paro e reflito. Lembro-me de tudo o que fiz até então. É o momento sagrado para filosofar.

Sagrado! É o sublime!

O calor se foi, pois todo elemento preparado no fogo precisa depois ser resfriado! Nossa alma é forjada diariamente!

Depois de olharmos para trás, sem esmorecer, é hora de deixar o Leste. Agora nossa bússola aponta para o Oeste.

Olá, noite! Quantos mistérios você nos traz. Perigosa, silenciosa, calma... Sim, é sempre possível torná-la barulhenta e inquieta, mas sua essência será sempre misteriosa.

Nós damos as noites momentos de agitação, mas a noite como noite será sempre enigmática.

Estamos sempre preparados. É claro, os amantes da tarde sempre estão.

Viver só da noite é pedir para despencar de grandes alturas. Tu conheces uma borboleta que já nasceu borboleta?

Assim, também, quem vive só das manhãs será rastejante para a eternidade! É necessário encarar as horas de dureza pós meio dia. É necessário entrar no casulo. É necessário sofrer. A transformação vem das dores. As cicatrizes só surgem dos ferimentos.

Uma alma calejada adquire sabedoria. Somos forjados todos os dias. Essa busca é eterna. Tolo é aquele que pensa que já atingiu a excelência!

Eu não durmo nas horas do casulo, lembras? Fazer isso é pedir para ser solto num covil de cobras. E pior que isso, enfrentá-las na calada da noite.

Na ultima vez que eu dormi a tarde meu dia terminou péssimo, pois eu voltei a ser um lagarto, voltei a sentir tonteiras, morri mais uma vez. Para este tipo de sono, o vespertino, não há banho que ressuscite, não há café que sirva. Não há lagarto que vire borboleta sem antes passar pelo casulo.

Só há duas brisas durante todo o dia. A que te desperta e a que te transforma. Uma Hora, Duas Horas e Três horas são aqueles professores chatos que você só dá valor no futuro.

Mas são eles que te preparam para o desfrute mais romântico das Quatro e Cinco Horas. O ápice!

Como o meu coração se aperta de alegria nesse momento! Só eu e a natureza. Criação e criatura. Encontro sagrado!

Independente de como foram as manhãs ou como serão as noites um dia só termina bem com o bom proveito do entardecer, do início ao fim.

Gostaria que as minhas tardes não se passassem chacoalhadas dentro de um ônibus. É mais fácil ser tolo.

Os homens optaram por transformar o nascimento e o sagrado em momentos de estresse.

Você acorda correndo, aborrecido, vai para o trabalho com a cabeça girando, almoça sem respirar, passa mal e sente sono na hora da transformação, e no momento mais belo você está voltando para casa sem olhar a natureza a sua volta. De noite você não é ninguém. E a cada dia você desperta menos de você mesmo e mais do sistema. E assim se procede até que um dia sua borboleta interior não despertará mais. Estará morta. E você será uma pessoa vazia. Mero invólucro carnal.

A questão é: Isso te importa?

As manhãs ainda existem, o meio dia ainda existe, a hora de se transformar também, mas o fim de tarde está morrendo.

Morrendo? Morrendo para nós, humanos. Somos seres da natureza, mas vivemos apenas no universo da lógica. Quem não conhece os procedimentos naturais do dia jamais conhecerá as belezas das Quatro e Cinco Horas.

Pior. Será engolido pela noite e por seus vícios. Perderá sua força vital. Será caído. Só encontrará tristeza e angústia.

Salvem-se quem puder!

FIM!

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