terça-feira, janeiro 22, 2013


O Otimismo e o Pessimismo: Um Conto sobre Edgard, Brunna e o Cavaleiro Verde.




Há muito, muito tempo (muito tempo mesmo) um Senhor dava uma festa em honraria ao seu exército. Não cabe a essa história dizer as glórias passadas destes homens, pois só o que um deles realizou a seguir nos importa.

- Edgard! Chamou o Senhor.
- A ti me apresento honorável provedor.
- Quero lhe dar um presente por todas as suas conquistas em campo de batalha. Esta é a lendária armadura do Otimismo, inabalável e indestrutível. E você, como chefe maior de nosso exército deve portá-la.
- É uma felicidade indescritível, meu Senhor. Agradeceu Edgard.

Edgard era um guerreiro famoso. Nunca perdera uma batalha sequer. Havia levado o exercito de seu Senhor a incontáveis vitórias. E agora, investido da armadura, se sentia o mais poderoso dentre os homens.

Não quero entretê-los com sangue de guerreiros mortos, esse não é o objetivo deste conto. Muitas foram as batalhas que nosso guerreiro liderou até a vitória. A cada dia ele se sentia mais indestrutível e mais inabalável.

Certo dia, cavalgando com seu exército, Edgard resolveu parar em um pequeno vilarejo para descansar. Ele andava tranquilo pelas ruas do lugar apenas observando, até que uma figura se colocou ao seu lado. Tinha um belo cavalo marrom, um brilhante elmo e armadura prateada ornamentada de esmeraldas, e uma bela capa verde. Nosso guerreiro apenas o olhou.

- Precisa de minha ajuda? Perguntou o misterioso cavaleiro.
- Não. Respondeu Edgard sorrindo.
- E o que te leva à vitória?
- Minha armadura do Otimismo. Disse batendo com os punhos no peito.
- Assim seja, meu caro amigo. Disse o cavaleiro ao se virar e galopar para longe.

Edgard deu pouca importância ao acontecimento e foi dormir. No dia seguinte uma chuva terrível castigava os campos daquele vilarejo. Nosso guerreiro saiu às ruas para supervisionar o seu exército. Para sua surpresa um de seus soldados lhe deu a triste notícia de que seu cavalo havia fugido.

- Eu vou atrás dele. Disse Edgard, tentando falar mais alto que a chuva.
- Sir, você vai morrer. O mundo está desabando em água.
- Não seja tolo, minha armadura está comigo.

Assim ele foi. Trovões rasgavam o céu de fora a fora com uma precisão nada cirúrgica. Depois de caminhar muito tempo ele se deparou com uma montanha. E lá, no alto, estava seu cavalo. Nem sequer respirou. Em segundos ele estava dominando a montanha. Os trovões aumentavam e ele se aproximava de seu cavalo. Quando já estava a poucos metros de seu animal um raio atingiu com toda força as pedras acima de sua cabeça. Na tentativa de se salvar ele tentou pular em um conjunto de pedras ao seu lado, porém, devido à chuva ele escorregou. Bateu com o tronco no chão, rolou para trás, mas antes que ele despencasse da montanha se agarrou com firmeza em uma das pedras. Ele olhou para baixo e viu que a queda seria bem longa. Mal conseguia se segurar. Eis que acima dele uma voz cortou a chuva.

- Precisa de ajuda? O cavaleiro misterioso aparecia mais uma vez.
- Não! Esbravejou Edgard. Minha armadura está comigo e eu vou fazer isso sozinho.

O cavaleiro misterioso apenas o observou. Segundo a segundo Edgard perdia a luta.

- Oh, esta armadura está pesada demais. Sugeriu o Cavaleiro misterioso.
- Não está! Ela me protege.

Dizendo isso Edgard caiu. Seu corpo foi engolido pela névoa da chuva e ele desapareu sob o mar de rochas. Dor intensa. Escuridão... escuridão... escuridão... Luz... luz... Edgard abriu os olhos e percebeu que estava deitado sobre uma cama e em um lugar desconhecido. Na verdade ele só podia ver o que a luz de uma vela era capaz de iluminar. E ao seu lado estava o cavaleiro, ainda de elmo.

- Um voo alto às vezes leva a quedas drásticas. Disse o cavaleiro misterioso rindo.
- E risadas indecentes também levam a perda de dentes. Tentou se movimentar Edgard, mas tudo era dor.
- Se acalme em breve você estará melhor, aí talvez lute comigo.
- Quem é você?
- Todos me chamam de Cavaleiro Verde, mas você pode me chamar de Esperança, amigo.
- Esperança é um bom nome para quem sempre está por aí e nunca mostra o rosto.
- Certamente. Concordou o Cavaleiro Verde.
- E por que sempre me ofereceu ajuda?
- Porque você se esqueceu de você mesmo. Desde o momento que você vestiu essa armadura do otimismo você se esqueceu da pessoa que você é, que é cheia de virtudes, mas também que é cheia de defeitos. Humano. Ninguém é indestrutível. Ninguém é tão melhor que os outros que não precise de ajuda ou de conselhos. Essa armadura é importante sim, ela foi sua principal companheira de vitórias, mas ela é só um mero instrumento de batalha. O campeão aqui é você.
- Devo me livrar dela?
- Jamais, e também não deve se esquecer de minhas palavras. Outra coisa, já tratei de seus ferimentos e amanhã ao raiar do dia você já estará curado. Mas, em troca, vou precisar que me ajude.
- Qualquer coisa, senhor.
- Já ouviu falar de Brunna?
- Não.
- Certo. Brunna é uma guerreira de terras a oeste daqui. Onde o sol se põe. Ela também possui uma armadura. É a armadura do pessimismo. Ela vai às batalhas com o pensamento de que as coisas poderão dar errado, assim não se decepciona. Sempre está pronta para receber um golpe. Porém, há certos momentos em que ela trava, fraqueja ou desacredita de seu objetivo. Perde sua obstinação. Peço que você, Edgard, vá até ela e ofereça a sua ajuda.
- Eu? E ela aceitará a minha ajuda?
- Não. Disse o Cavaleiro Verde rindo mais uma vez.
- Então o que farei?
- Nada, só ofereça sua ajuda, o destino se encarregará do resto.
- E meu exército, como ficará?
- Eu cuido disso para você.
- Mais uma coisa, como você sabe tanto de mim se eu não te conheço?
- É porque estou sempre por aí e nunca mostro o rosto. Disse sorrindo.

Assim a vela se apagou e a escuridão dominou o mundo e os pensamentos de Edgard. O Cavaleiro Verde desapareceu com a luz. No dia seguinte o nosso guerreiro acordou curado. Deixou a cabana que estava para trás e mergulhou na luz do dia. Seu cavalo o esperava do lado de fora. Cavalgou rumo ao oeste sempre com o sol na cabeça. Depois de algumas horas de viagem ele avistou, entre às árvores de um vale, uma batalha acontecendo. Com cautela se escondeu entre algumas folhagens e observou por um tempo. Viu que entre os guerreiros havia um que era diferente. Fazia movimentos muito mais delicados e belos que a maioria dos brutamontes. Era Brunna. Pelo que observava, o exército de Brunna estava alcançando a vitória. Um dos homens do exército inimigo fugiu na direção de onde Edgard estava. Ela o seguiu e o golpeou com uma espada. Ele caiu se contorcendo, mas para a surpresa dela o homem fez um giro rápido abrindo um corte em seu braço. Ela travou por uns segundos, mas logo retomou a consciência e golpeou mais uma vez o adversário decretando o fim da luta.

O corte começou a doer. Ela se sentou sob uma árvore e lá ficou com uma cara bem emburrada. Edgard a olhava com curiosidade. Com muita curiosidade. Até que seus olhares se encontraram.

- Quem está aí? Perguntou Brunna.

Edgard se empertigou, coçou a cabeça todo embaraçado e com um sorriso amarelo ele saiu das folhagens. Brunna riu ao vê-lo pela primeira vez.

- É, como posso explicar? É porque...
- Só perguntei quem é você. Brunna ainda estava rindo.
- Edgard, o otimista, das terras do leste.
- O otimista? Pobrezinho. Brunna riu mais uma vez.
- Pobrezinho é a... é...
- O que você ia dizer, guerreiro otimista?
- Você precisa de ajuda? Minha ajuda sabe? Minha. Disse apontando repetidas vezes para si próprio o desajeitado Edgard.
- Não! Nem de você e nem de ninguém. O sorriso de Brunna sumiu instantaneamente.
- Então, até a próxima. Disse Edgard se virando.
- Próxima? Brunna riu.
- Adeus, adeus. Disse ele chacoalhando as mãos.

Edgard estava indo embora, mas antes quis olhar de novo para Brunna. Ele se virou. Ela estava rindo. Mas então ela fez uma careta de brava e ele apertou o passo. “Mulheres, cheias de sortilégio”, pensou. Nosso guerreiro encontrou abrigo em uma floresta próxima onde ele passou a noite. Dormia tranquilamente até que uma folha de arvore caiu em seu nariz. Ele acordou de susto. Esfregou os olhos e viu que a noite ainda caminhava na completa escuridão. Quer dizer. Havia uma luz no meio das árvores. Fogo. E havia também muito barulho, gritaria e golpes de espada.

O exercito de Brunna havia sido emboscado, percebeu Edgard ao observar melhor a cena. “Onde está ela?”, pensou o nosso guerreiro. Tentando enxergar na escuridão encontrou em meio às sombras bruxuleantes Brunna sendo cercada por dois homens. Ela estava parada, imóvel, observando os dois. “Esse é o seu fim”, pode escutar Edgard. Os homens levantaram a espada, mas antes que qualquer golpe fosse dado Edgard estava lá. Aparou um dos golpes no seu escudo, golpeou o primeiro homem e o jogou no chão. Esperou o golpe do segundo, quando este veio ele aparou mais uma vez e golpeou. Mas para a sua surpresa o primeiro homem já havia se levantado. O golpe era certo. Porém, mais surpreendente ainda foi quando Brunna apareceu ao seu lado e golpeou o homem. Assim os dois se livraram dos perseguidores.

A emboscada havia sido superada e os prejuízos estavam sendo contabilizados. Um recado havia sido deixado. “Amanhã, em campo aberto, nossos exércitos decidirão esta guerra”.

- Você é um bom ajudante. Disse Brunna.
- Só um mero ajudante?
- Sim, você tem que treinar muito ainda para ser um guerreiro tão bom quanto eu sou. Você é confiante demais. É louco. Você tem um probleminha, sabe? Disse ela rindo e apontando para a cabeça dele.
- Mas se eu não estivesse por perto você morreria.
- Eu sou encantadora, não sou? Por isso você veio me ajudar.
- Maldito seja! Disse Edgard vermelho de raiva e entre os dentes contorcidos.
- Boa noite Edgard, o otimista. Disse ela rindo.
- Você precisa de minha ajuda?
- Amanhã? Talvez eu precise, talvez não.

Dessa vez foi Edgard que riu, mas de raiva. Foi dormir. No dia seguinte ele apareceu e lá estava Brunna contemplando o horizonte.

- O que propõe, oh ajudante? Perguntou Brunna ironicamente.
- Eu vou lutar ao seu lado. Enquanto eu recebo os golpes em meu escudo você golpeia o adversário.
- E como você pode ter certeza de que vai dar certo?
- Vai dar certo.
- Pode não dar.
- Mas deu certo ontem, talvez dê outra vez. Ao invés de discutirmos se dará certo ou não a gente deixa dúvida no ar. Aí nada será surpreendente e também nada será esperado, o que acontecer aconteceu. De acordo? Sugeriu Edgard. Brunna fez uma cara de deboche enquanto pensava por uns segundos.
- Tudo bem, vai ser desse jeito.
- Do nosso jeito, vamos para a batalha.

O exército adversário estava com sua parede de escudos formada. O exército de Brunna estava em menor número.

- Não venceremos, isso não vai dar certo. Disse a guerreira.
- Não sabemos ainda. Disse Edgard.

O exército de Brunna já estava formado e Edgard junto dela. A batalha aconteceria num grande campo aberto. O sol brilhava e os pássaros cantavam. Sobre uma colina, observando, estava o Cavaleiro Verde. Edgard o avistou. Logo depois ele se virou e foi embora. “Maldito, ele deveria estar cuidando de meu exército!”, pensou. Antes que ele pudesse pensar mais sobre o assunto uma trombeta soou e a batalha começou. Escudos contra escudos, espadas contra espadas e Edgard e Brunna juntos.

Como combinado Edgard aparou o primeiro golpe, que foi de um machado, e Brunna golpeou o adversário. O primeiro se foi. O segundo, munido de uma espada, tentou acertar Edgard na cabeça, mas ele levantou o escudo a tempo. Nossa guerreira lhe presenteou com um golpe afiado na barriga. Sangue jorrava, homens gritavam. E assim vieram muitos. Barrados por Edgard e golpeados por Brunna. Porém, eis que o calor da batalha dominou Edgard. Ele se sentia imbatível. Apertou com força o escudo contra o peito e a espada contra as mãos, partindo ele contra os adversários. Golpeou o primeiro, o segundo, o terceiro, mas no quarto ele se viu em dificuldades. O homem era muito maior que ele. Mas ele não desistiu. O golpe que o homem deu no escudo de Edgard foi tão forte que ele cambaleou para trás. Mas antes que ele fosse golpeado Brunna apareceu ao seu lado e golpeou o inimigo.

Ela o puxou para trás e o afastou da batalha. Olhou brava para ele.

- Você é louco? Só pode. Disse brava. Em seguida ela lhe deu uma bofetada no rosto.
- Isso doeu, mulher.
- Cale a boca! Esbravejou Brunna, e em seguida lhe beijou nos lábios.
- Mas como? Disse Edgard sem entender.
- É para a gente lutar juntos. Esse foi o combinado.
- Sim, precisei de você.
- E eu preciso de você. Me deixou sozinha.
- Isso não vai acontecer jamais. Eu defendo e você golpeia.

Assim eles voltaram para a batalha. O sangue ainda jorrava e os homens ainda berravam. Edgard defendia e Brunna atacava. Mas o exército inimigo ainda era muito maior e eles estavam perdendo.

- Não vamos conseguir. Disse Brunna.
- Ainda não acabou.

Ao dizer isso Edgard viu que o Cavaleiro Verde havia reaparecido na colina e atrás dele haviam homens. Muitos outros homens. Era o seu exército. O Cavaleiro Verde os liderou contra o exército inimigo que agora estava em menor número. A batalha foi vencida. Edgard e Brunna ficaram juntos. O otimista aprendeu a ser mais cauteloso, a pessimista aprendeu a confiar nas possibilidades. Eles se ajudavam. E assim o Cavaleiro Verde, a Esperança, voltou a vagar secretamente por entre os homens e as mulheres estendendo sua mão. 

E você, caro leitor, precisa de ajuda?

FIM
   
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