Há muito, muito tempo
(muito tempo mesmo) um Senhor dava uma festa em honraria ao seu exército. Não cabe a essa história dizer as glórias passadas destes homens, pois só o que um
deles realizou a seguir nos importa.
- Edgard! Chamou o
Senhor.
- A ti me apresento
honorável provedor.
- Quero lhe dar um
presente por todas as suas conquistas em campo de batalha. Esta é a lendária
armadura do Otimismo, inabalável e indestrutível. E você, como chefe maior de
nosso exército deve portá-la.
- É uma felicidade
indescritível, meu Senhor. Agradeceu Edgard.
Edgard era um
guerreiro famoso. Nunca perdera uma batalha sequer. Havia levado o exercito de
seu Senhor a incontáveis vitórias. E agora, investido da armadura, se sentia o
mais poderoso dentre os homens.
Não quero entretê-los
com sangue de guerreiros mortos, esse não é o objetivo deste conto. Muitas
foram as batalhas que nosso guerreiro liderou até a vitória. A cada dia ele se
sentia mais indestrutível e mais inabalável.
Certo dia, cavalgando
com seu exército, Edgard resolveu parar em um pequeno vilarejo para descansar.
Ele andava tranquilo pelas ruas do lugar apenas observando, até que uma figura
se colocou ao seu lado. Tinha um belo cavalo marrom, um brilhante elmo e
armadura prateada ornamentada de esmeraldas, e uma bela capa verde. Nosso
guerreiro apenas o olhou.
- Precisa de minha
ajuda? Perguntou o misterioso cavaleiro.
- Não. Respondeu
Edgard sorrindo.
- E o que te leva à
vitória?
- Minha armadura do
Otimismo. Disse batendo com os punhos no peito.
- Assim seja, meu
caro amigo. Disse o cavaleiro ao se virar e galopar para longe.
Edgard deu pouca
importância ao acontecimento e foi dormir. No dia seguinte uma chuva terrível castigava
os campos daquele vilarejo. Nosso guerreiro saiu às ruas para supervisionar o
seu exército. Para sua surpresa um de seus soldados lhe deu a triste notícia de
que seu cavalo havia fugido.
- Eu vou atrás dele.
Disse Edgard, tentando falar mais alto que a chuva.
- Sir, você vai
morrer. O mundo está desabando em água.
- Não seja tolo,
minha armadura está comigo.
Assim ele foi.
Trovões rasgavam o céu de fora a fora com uma precisão nada cirúrgica. Depois
de caminhar muito tempo ele se deparou com uma montanha. E lá, no alto,
estava seu cavalo. Nem sequer respirou. Em segundos ele estava dominando a
montanha. Os trovões aumentavam e ele se aproximava de seu cavalo. Quando já
estava a poucos metros de seu animal um raio atingiu com toda força as pedras
acima de sua cabeça. Na tentativa de se salvar ele tentou pular em um conjunto
de pedras ao seu lado, porém, devido à chuva ele escorregou. Bateu com o tronco
no chão, rolou para trás, mas antes que ele despencasse da montanha se agarrou
com firmeza em uma das pedras. Ele olhou para baixo e viu que a queda seria bem
longa. Mal conseguia se segurar. Eis que acima dele uma voz cortou a chuva.
- Precisa de ajuda? O
cavaleiro misterioso aparecia mais uma vez.
- Não! Esbravejou
Edgard. Minha armadura está comigo e eu vou fazer isso sozinho.
O cavaleiro
misterioso apenas o observou. Segundo a segundo Edgard perdia a luta.
- Oh, esta armadura
está pesada demais. Sugeriu o Cavaleiro misterioso.
- Não está! Ela me
protege.
Dizendo isso Edgard
caiu. Seu corpo foi engolido pela névoa da chuva e ele desapareu sob o mar de
rochas. Dor intensa. Escuridão... escuridão... escuridão... Luz... luz...
Edgard abriu os olhos e percebeu que estava deitado sobre uma cama e em um
lugar desconhecido. Na verdade ele só podia ver o que a luz de uma vela era
capaz de iluminar. E ao seu lado estava o cavaleiro, ainda de elmo.
- Um voo alto às
vezes leva a quedas drásticas. Disse o cavaleiro misterioso rindo.
- E risadas
indecentes também levam a perda de dentes. Tentou se movimentar Edgard, mas
tudo era dor.
- Se acalme em breve
você estará melhor, aí talvez lute comigo.
- Quem é você?
- Todos me chamam de
Cavaleiro Verde, mas você pode me chamar de Esperança, amigo.
- Esperança é um bom
nome para quem sempre está por aí e nunca mostra o rosto.
- Certamente.
Concordou o Cavaleiro Verde.
- E por que sempre me
ofereceu ajuda?
- Porque você se
esqueceu de você mesmo. Desde o momento que você vestiu essa armadura do
otimismo você se esqueceu da pessoa que você é, que é cheia de virtudes, mas
também que é cheia de defeitos. Humano. Ninguém é indestrutível. Ninguém é tão
melhor que os outros que não precise de ajuda ou de conselhos. Essa armadura é
importante sim, ela foi sua principal companheira de vitórias, mas ela é só um
mero instrumento de batalha. O campeão aqui é você.
- Devo me livrar
dela?
- Jamais, e também
não deve se esquecer de minhas palavras. Outra coisa, já tratei de seus
ferimentos e amanhã ao raiar do dia você já estará curado. Mas, em troca, vou
precisar que me ajude.
- Qualquer coisa,
senhor.
- Já ouviu falar de
Brunna?
- Não.
- Certo. Brunna é uma
guerreira de terras a oeste daqui. Onde o sol se põe. Ela também possui uma
armadura. É a armadura do pessimismo. Ela vai às batalhas com o pensamento de
que as coisas poderão dar errado, assim não se decepciona. Sempre está pronta
para receber um golpe. Porém, há certos momentos em que ela trava, fraqueja ou
desacredita de seu objetivo. Perde sua obstinação. Peço que você, Edgard, vá
até ela e ofereça a sua ajuda.
- Eu? E ela aceitará
a minha ajuda?
- Não. Disse o
Cavaleiro Verde rindo mais uma vez.
- Então o que farei?
- Nada, só ofereça
sua ajuda, o destino se encarregará do resto.
- E meu exército,
como ficará?
- Eu cuido disso para
você.
- Mais uma coisa,
como você sabe tanto de mim se eu não te conheço?
- É porque estou
sempre por aí e nunca mostro o rosto. Disse sorrindo.
Assim a vela se
apagou e a escuridão dominou o mundo e os pensamentos de Edgard. O Cavaleiro
Verde desapareceu com a luz. No dia seguinte o nosso guerreiro acordou curado.
Deixou a cabana que estava para trás e mergulhou na luz do dia. Seu cavalo o
esperava do lado de fora. Cavalgou rumo ao oeste sempre com o sol na cabeça.
Depois de algumas horas de viagem ele avistou, entre às árvores de um vale, uma
batalha acontecendo. Com cautela se escondeu entre algumas folhagens e observou
por um tempo. Viu que entre os guerreiros havia um que era diferente. Fazia
movimentos muito mais delicados e belos que a maioria dos brutamontes. Era
Brunna. Pelo que observava, o exército de Brunna estava alcançando a vitória.
Um dos homens do exército inimigo fugiu na direção de onde Edgard estava. Ela o
seguiu e o golpeou com uma espada. Ele caiu se contorcendo, mas para a surpresa
dela o homem fez um giro rápido abrindo um corte em seu braço. Ela travou por uns
segundos, mas logo retomou a consciência e golpeou mais uma vez o adversário
decretando o fim da luta.
O corte começou a
doer. Ela se sentou sob uma árvore e lá ficou com uma cara bem emburrada.
Edgard a olhava com curiosidade. Com muita curiosidade. Até que seus olhares se
encontraram.
- Quem está aí?
Perguntou Brunna.
Edgard se empertigou,
coçou a cabeça todo embaraçado e com um sorriso amarelo ele saiu das folhagens.
Brunna riu ao vê-lo pela primeira vez.
- É, como posso
explicar? É porque...
- Só perguntei quem é
você. Brunna ainda estava rindo.
- Edgard, o otimista,
das terras do leste.
- O otimista?
Pobrezinho. Brunna riu mais uma vez.
- Pobrezinho é a...
é...
- O que você ia dizer,
guerreiro otimista?
- Você precisa de
ajuda? Minha ajuda sabe? Minha. Disse apontando repetidas vezes para si próprio
o desajeitado Edgard.
- Não! Nem de você e
nem de ninguém. O sorriso de Brunna sumiu instantaneamente.
- Então, até a
próxima. Disse Edgard se virando.
- Próxima? Brunna
riu.
- Adeus, adeus. Disse
ele chacoalhando as mãos.
Edgard estava indo
embora, mas antes quis olhar de novo para Brunna. Ele se virou. Ela estava
rindo. Mas então ela fez uma careta de brava e ele apertou o passo. “Mulheres,
cheias de sortilégio”, pensou. Nosso guerreiro encontrou abrigo em uma floresta
próxima onde ele passou a noite. Dormia tranquilamente até que uma folha de arvore
caiu em seu nariz. Ele acordou de susto. Esfregou os olhos e viu que a noite
ainda caminhava na completa escuridão. Quer dizer. Havia uma luz no meio das
árvores. Fogo. E havia também muito barulho, gritaria e golpes de espada.
O exercito de Brunna
havia sido emboscado, percebeu Edgard ao observar melhor a cena. “Onde está
ela?”, pensou o nosso guerreiro. Tentando enxergar na escuridão encontrou em
meio às sombras bruxuleantes Brunna sendo cercada por dois homens. Ela estava
parada, imóvel, observando os dois. “Esse é o seu fim”, pode escutar Edgard. Os
homens levantaram a espada, mas antes que qualquer golpe fosse dado Edgard
estava lá. Aparou um dos golpes no seu escudo, golpeou o primeiro homem e o
jogou no chão. Esperou o golpe do segundo, quando este veio ele aparou mais uma
vez e golpeou. Mas para a sua surpresa o primeiro homem já havia se levantado.
O golpe era certo. Porém, mais surpreendente ainda foi quando Brunna apareceu
ao seu lado e golpeou o homem. Assim os dois se livraram dos perseguidores.
A emboscada havia
sido superada e os prejuízos estavam sendo contabilizados. Um recado havia sido
deixado. “Amanhã, em campo aberto, nossos exércitos decidirão esta guerra”.
- Você é um bom
ajudante. Disse Brunna.
- Só um mero
ajudante?
- Sim, você tem que
treinar muito ainda para ser um guerreiro tão bom quanto eu sou. Você é
confiante demais. É louco. Você tem um probleminha, sabe? Disse ela rindo e
apontando para a cabeça dele.
- Mas se eu não
estivesse por perto você morreria.
- Eu sou encantadora,
não sou? Por isso você veio me ajudar.
- Maldito seja! Disse
Edgard vermelho de raiva e entre os dentes contorcidos.
- Boa noite Edgard, o
otimista. Disse ela rindo.
- Você precisa de
minha ajuda?
- Amanhã? Talvez eu
precise, talvez não.
Dessa vez foi Edgard
que riu, mas de raiva. Foi dormir. No dia seguinte ele apareceu e lá estava
Brunna contemplando o horizonte.
- O que propõe, oh
ajudante? Perguntou Brunna ironicamente.
- Eu vou lutar ao seu
lado. Enquanto eu recebo os golpes em meu escudo você golpeia o adversário.
- E como você pode
ter certeza de que vai dar certo?
- Vai dar certo.
- Pode não dar.
- Mas deu certo
ontem, talvez dê outra vez. Ao invés de discutirmos se dará certo ou não a
gente deixa dúvida no ar. Aí nada será surpreendente e também nada será esperado,
o que acontecer aconteceu. De acordo? Sugeriu Edgard. Brunna fez uma cara de
deboche enquanto pensava por uns segundos.
- Tudo bem, vai ser
desse jeito.
- Do nosso jeito,
vamos para a batalha.
O exército adversário
estava com sua parede de escudos formada. O exército de Brunna estava em menor
número.
- Não venceremos,
isso não vai dar certo. Disse a guerreira.
- Não sabemos ainda.
Disse Edgard.
O exército de Brunna
já estava formado e Edgard junto dela. A batalha aconteceria num grande campo
aberto. O sol brilhava e os pássaros cantavam. Sobre uma colina, observando,
estava o Cavaleiro Verde. Edgard o avistou. Logo depois ele se virou e foi
embora. “Maldito, ele deveria estar cuidando de meu exército!”, pensou. Antes
que ele pudesse pensar mais sobre o assunto uma trombeta soou e a batalha começou.
Escudos contra escudos, espadas contra espadas e Edgard e Brunna juntos.
Como combinado Edgard
aparou o primeiro golpe, que foi de um machado, e Brunna golpeou o adversário.
O primeiro se foi. O segundo, munido de uma espada, tentou acertar Edgard na cabeça,
mas ele levantou o escudo a tempo. Nossa guerreira lhe presenteou com um golpe
afiado na barriga. Sangue jorrava, homens gritavam. E assim vieram muitos. Barrados
por Edgard e golpeados por Brunna. Porém, eis que o calor da batalha dominou
Edgard. Ele se sentia imbatível. Apertou com força o escudo contra o peito e a
espada contra as mãos, partindo ele contra os adversários. Golpeou o primeiro,
o segundo, o terceiro, mas no quarto ele se viu em dificuldades. O homem era
muito maior que ele. Mas ele não desistiu. O golpe que o homem deu no escudo de
Edgard foi tão forte que ele cambaleou para trás. Mas antes que ele fosse
golpeado Brunna apareceu ao seu lado e golpeou o inimigo.
Ela o puxou para trás
e o afastou da batalha. Olhou brava para ele.
- Você é louco? Só
pode. Disse brava. Em seguida ela lhe deu uma bofetada no rosto.
- Isso doeu, mulher.
- Cale a boca!
Esbravejou Brunna, e em seguida lhe beijou nos lábios.
- Mas como? Disse
Edgard sem entender.
- É para a gente
lutar juntos. Esse foi o combinado.
- Sim, precisei de
você.
- E eu preciso de
você. Me deixou sozinha.
- Isso não vai
acontecer jamais. Eu defendo e você golpeia.
Assim eles voltaram
para a batalha. O sangue ainda jorrava e os homens ainda berravam. Edgard
defendia e Brunna atacava. Mas o exército inimigo ainda era muito maior e eles estavam perdendo.
- Não vamos
conseguir. Disse Brunna.
- Ainda não acabou.
Ao dizer isso Edgard
viu que o Cavaleiro Verde havia reaparecido na colina e atrás dele haviam
homens. Muitos outros homens. Era o seu exército. O Cavaleiro Verde os liderou
contra o exército inimigo que agora estava em menor número. A batalha foi
vencida. Edgard e Brunna ficaram juntos. O otimista aprendeu a ser mais
cauteloso, a pessimista aprendeu a confiar nas possibilidades. Eles se
ajudavam. E assim o Cavaleiro Verde, a Esperança, voltou a vagar secretamente
por entre os homens e as mulheres estendendo sua mão.
E você, caro leitor,
precisa de ajuda?
FIM
Se gostou me segue e compartilhe.
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