sexta-feira, dezembro 21, 2012


A MORTE DA RAZÃO


Certa vez a Razão resolveu passear pelo mundo do abstrato. Intrigada, como sempre, questionadora e curiosa, resolveu observar como se comportavam os seres daquele lugar. Notou a presença da Felicidade, da Tristeza, da Esperança, da Angústia, do Ânimo, do Desânimo, do Desejo, da Repulsa e do Ódio. Esses seres, tão peculiares, tão únicos, conviviam numa bagunça só. Grande bagunça, por sinal. Eles tinham o péssimo hábito de tentar subir uns em cima dos outros. Imagine você que grande confusão. Em certos momentos a Razão mal conseguia distinguir aquelas individualidades em meio ao caos do mundo do abstrato, a não ser quando uma delas conseguia ficar por cima de todas as outras. Cá entre nós, que jogo estranho, não é?

Pobre Razão,
Frustrada por não compreender o que acontecia,
Bateu os pés no chão.
Oh, que triste maldição!

Como se não bastasse o nó quádruplo que a Razão se desesperava em não conseguir se desvencilhar algo novo reparou. Ao redor de toda aquela sandice, aquela loucura, Amor e Fé observavam atentamente. Pobre Razão, que espécie de ritual era esse? A cada momento Razão se frustrava mais, assim como suas batidas de pé no chão. A confusão aumentava cada vez mais. Fé e Amor apenas observavam. Só que num dado momento tudo mudou. Feito uma fera o Amor se atirou sobre todos eles.

Não satisfeito de sua posição,
Aconteceu o que ninguém esperou,
Querendo garantir o que queria,
O Amor a todos devorou.

Não havia mais confusão, não havia mais ninguém. Quer dizer, exceto pelo Amor, pela Fé e pela Razão. Nossa amiguinha questionadora, tão esperta, estava derrotada. Pobrezinha, seria mais fácil resolver um problema matemático. Razão coçou a cabeça, deu uma cambalhota, bateu seus pezinhos no chão, respirou fundo e tornou a olhar para o Amor. Que bicho estranho. Como se não fosse suficiente devorar todos aqueles pobres seres ele se voltou para a Fé. Fé só o observava.

Lentamente o Amor caminhou,
A Razão mais uma vez ele amedrontou,
Mas como nada fazia sentido,
Sobre o joelho esquerdo ele se ajoelhou.

Razão, Razão, pobre Razão. Agora ela estava boquiaberta. Como já não era mais suficiente bater os pés no chão, saltos frenéticos ela deu. Depois de se ajoelhar o Amor se levantou e fez uma reverência com a cabeça. A Fé, com seu jeito cortês, retribuiu a reverência e saiu imponente. A Razão já não aguentava mais. Esfomeada de saber como só ela correu desenfreada em direção ao Amor.

- Amor, por que devoraste todos eles?
- Não sei, só acredito que na minha presença eles não fazem sentido e que quando estou aqui eles só existem a partir de mim. Acho que eu sou um pouco autoritário e egoísta, mas é o que sou. Para amar os outros devo me amar primeiro, pois não existe sentido em existir se não for assim. Sou inexplicável, eu sei.
- Amor, por que não devoraste a Fé? Por que se ajoelhou perante ela?
- Porque só existo através dela. Só a Fé para tornar possível algo tão inexplicável.
- Então, porque ela foi embora?
- Não é necessária a presença dela. Se sou algo inexplicável, ela simplesmente “É”, e isso não demanda explicações.

A Razão cambaleou,
E seu corpo contorceu,
Deitou no chão enlouquecida,
E depois morreu.

FIM.

Se gostou me siga. :D